segunda-feira, 30 de junho de 2014

Carta a Madalena Caixeiro - "Há mar e mar"

Falou-me, há uns dois anos, no prazer de ficar.
Porque eu o tinha experimentado, pretensamente, desde sempre (numa teimosia que eu pretendia que fosse rebelde), nunca me esqueci dessa tarde de Verão.
Disse-mo num tom levemente altivo, como se eu não fosse entender. E eu, sem me importar, regozijei: eu também queria (e achava que tinha) o prazer de ficar - até ao fim. E sabia, claro, que esse prazer se alimentava de uma espécie de segredo impartilhável, sob o pretexto de que os outros não seriam capazes de compreender.

Nessa tarde de Verão,  percebi que a vontade (sim, a vontade) de ter o prazer de ficar não era só minha, o que tornava esse prazer, tudo somado, menos sedutor. E que o meu deleite com o pretexto em que ele se ancorava - pese embora tivesse que ser só meu - era também Seu, ainda que pudessem ser diferentes (e eram com certeza) os cambiantes do nosso artifício.

Passou, porém, pouco tempo até que eu aceitasse que o meu verdadeiro prazer não estava em ficar, por muito que isso me soubesse a rendição. O meu prazer era voltar.
Não era ir, não era ficar. Era voltar.

Escrevi, por isso, nessa altura (e neste blogue), isso mesmo, ainda sem me esquecer da mesma tarde de Verão:
"Já me falaram no prazer de ficar.
Mas como fico tanto, adoro a vertigem de ir - e só, para anular o tempo.
E para então, sim, poder voltar. Sempre."

Outro tempo passou e eis que dei comigo, agora sem rede, a "fugir de mim para me encontrar".
Também isto foi - outra vez - o prazer de voltar (desta vez, a mim), por muito que eu tivesse querido apenas ir.
É onde estou.
Mas percebo enfim que pouco releva ir, ficar, ou voltar (onde?), porque o que importa são as tardes de Verão.
Se ficar for isso, eu fico também.

Um beijo,
H.
 
Em Junho de 2014.