domingo, 21 de fevereiro de 2016

A persistência dos "inhos"

Há coisas que se compreendem mal.
Uma delas é a vertigem por alguns diminutivos que soam mal e que acabam como que a mascar-se a eles próprios.

Começo pelo irritante "beijinho", que nem é dos piores.
Alguém me explica a razão porque é que as pessoas não enviam beijos umas à outras? Porque é que as pessoas não dão beijos umas às outras?
Esta diminuição do ósculo está tão instituída que nem vale a pena lutar contra ela. As pessoas preferem distribuir beijos minúsculos ou, então, imagino eu, repenicados. Vá lá saber-se porquê.
O que é certo é que, de cada vez que me enviam um "beijinho", receio pela sanidade das coisas. Mas enfim.

Dentro dos múltiplos exemplos citáveis, segue-se o do inefável "cafezinho".
Há incontáveis mortais que dependem de vários cafezinhos diários. Não querem beber um café; querem um "cafezinho"... Porquê?
Mais extraordinário ainda é pedirem, por vezes, um "cafezinho"... "cheio"! A contradição é, então, total e o vício resvalou para o insanável. Mau é que o "cafezinho" não é suficientemente abundante para que se afoguem nele.

Mas talvez o mais irritante seja o malfadado hábito de pedir a "continha".
A turba alambaza-se até não poder mais e, a seguir, de barriga cheia, pede a "continha" com meio sorriso mal amanhado. A coisa piora quando a conta é substancial: deixa de perceber-se, em definitivo, porque é que a conta é tratada por "continha" - será desdém?

Quem perceber isto que explique. Desde já... obrigadinho!

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Explica-me como se eu tivesse 5 anos


Pedi múltiplas vezes (e quem me conhece sabe que é rigorosamente verdade) que me explicassem várias coisas "como se eu tivesse 5 anos". Continuo a fazê-lo porque acho que é útil e frutífero - quer para quem explica, quer para quem ouve (é aquela minha velha mania de que só do diálogo nasce a clarividência e a razão...).
No próximo Agosto, a minha filha Francisca faz 5 anos, pelo que, por razões de elementar coerência, tenho que me preparar para lhe começar a explicar mais algumas coisas.
Umas delas será com certeza esta: porque razão se diz cá em casa tão mal da Europa (quando é evidente que toda a gente cá em casa a adora) e decidimos zarpar dela para viver numa Região Administrativa Especial da China?

A resposta não vai ser fácil, nem é para ser compreendida logo (pelo menos, na íntegra...). Mas vai ser qualquer coisa do seguinte género, com a vantagem de que dará conversa para vários anos (o explicador é fraco e, portanto, vai ter que contar com a bonomia do tempo...).
Não há verdadeiramente "Europa" alguma: é difícil encontrar um continente que, durante séculos, se tenha guerreado tão intensamente (esta parte tem a vantagem de eu poder, desde logo, meter uns reis e princesas ao barulho...).
Porém, como que por magia (mas também pelo medo e cansaço das tais guerras), acabou por formar-se um certo consenso "europeu" - uma espécie de raiz identitária comum (é nesta parte que poderei adornar a coisa com as maravilhas da botânica...).

Essa raiz identitária fez-se essencialmente de quatro pilares: uma certa ideia de tolerância ("deves deixar os outros meninos brincarem também com as tuas coisas"); a valorização da ideia de liberdade responsável, incluindo a ideia de liberdade religiosa, política e de consciência (que são meros subprodutos do valor amplo de liberdade: "não podes querer impôr aos outros meninos que brinquem apenas àquilo que tu queres..."); a amplificação do poder de grupos moderados (essencialmente de centro-direita moderada, centro-esquerda moderado e democratas-cristãos: "não podes querer falar mais alto do que toda a gente sem ouvir ninguém, nem deves interromper as conversas dos outros sem razão suficiente..."); e, sobretudo, a valorização daquilo a que convencionou chamar-se de "MODELO SOCIAL EUROPEU" (também em moldes económicos - aqui vou ter que dar um salto, por enquanto, na parte segundo a qual, verdadeiramente, só existe "Economia Política"...).
A parte final - a do "modelo social europeu" - é a mais importante (por ser a mais identitária da Europa: é o que a distingue da China, dos Estados Unidos, da Índia e das petro-Arábias, por exemplo) mas a que me será mais difícil de explicar (provavelmente por ninguém a saber explicar bem...).
No entanto, vou começar por tentar explicá-la assim: na Europa, quase toda a gente assou a pensar, a certa altura, que
(i) "mesmo que sejas pobre, não te deixam morrer doente no meio da rua";
(ii) "mesmo que haja meninos muito pobres, eles devem poder aprender a ler e a contar. E as outras coisas também";

É uma versão acanhada e incompleta de modelo social europeu, mas conto com esta versão simplificada para me começar a safar.
O pior virá depois: é natural que a Francisca me diga e pergunte, nesse momento, "isso é maravilhoso... porque é que não estamos lá?"...
Será aí que vou ter que lhe explicar que, depois de tantos anos, este projecto, este sonho, não passou disso mesmo.
Muito simplesmente porque começámos a questionar a viabilidade do tal "modelo social europeu" ("se tínhamos dinheiro para o pagar"...) e, com isso, abalámos o pilar essencial da tal "Europa", o seu suporte essencial (o tal "modelo social europeu").
A partir daqui, começaram a ruir as outras coisas, ao mesmo tempo que o dinheiro se tornou no fundamental:
(i) a tolerância diminuiu drasticamente e as liberdades começaram a minguar (todas - inclusive as religiosas, por causa dos fanatismos);
(ii) os grupos políticos extremaram-se e o centro moderado começou a desaparecer, também porque deixou de haver líderes políticos "a sério", que são ainda mais essenciais quando o que defendem não tem a força do radicalismo ("os reis e as princesas começaram a desaparecer sem serem substituídos por Cinderelas...")...

Com tantas explicações, é provável que fique cansado. Mas vai valer a pena, sobretudo porque a Francisca vai perceber que há uma certa lógica (e uma esperança legítima) em que tudo isto não se perca para sempre.
De qualquer maneira... "wish me good luck"!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A inefável Ana Avoila



Se a imbecilidade pagasse imposto, o montante pago por Ana Avoila serviria para resolver por inteiro o problema do Novo Banco (e, sim, quero com isto dizer que vão ser os contribuintes a arcar com uma generosa fatia da solução para o ex-BES).
Basta saltitar entre artigos de jornal partilhados no facebook para descobrir Ana Avoila a exigir, à vez, tudo e mais alguma coisa para todo o tipo de funcionários públicos que seja excogitável. De juízes a enfermeiros, de médicos a funcionários do fisco, para todos há exigências de Avoila, por mais irracionais que sejam.
Mas o topete maior é ver o ar crispado com que diz, rancorosa, que "os funcionários públicos não aguentam mais o ritmo frenético das 40 horas semanais de trabalho" (sic).
O ar crispado com que o diz e o grau de insulto do que diz (para tantos e tantos trabalhadores, incluindo muitos dos funcionários que supostamente representa) deveria merecer um repúdio sem precedentes. Mas não. Está tudo bem.