domingo, 20 de novembro de 2016

O aumento do imposto sobre o tabaco

Saudades daqueles tempos em que, na faculdade, me explicaram que os impostos (indirectos) "sobre o prazer" não tinham nada que ver com alguma ideia de igualdade fiscal (porque tributam não em função do rendimento - ou da "riqueza"...), mas com a tola "anestesia" àqueles que têm de os pagar. E mais saudades ainda da demonstração evidente de que o imposto sobre o tabaco (ou o seu aumento) tem sobretudo como fito (quase exclusivo) o aumento das receitas fiscais, e não, evidentemente, a diminuição do seu consumo (já que a procura dele é praticamente inelástica face ao respectivo preço). E (para não esquecer a mesma ideia de "igualdade fiscal" na tributação do rendimento) que dizer do facto de Donald Trump ter que pagar o mesmo imposto do que eu (na mesma medida) de cada vez que ambos comprarmos um maço de cigarros em Portugal? Ah, pois... o gajo é americano... e nem sequer deve fumar...
PS - bem sei que a tributação indirecta é fundamental para combater desajustamentos (e imperfeições...) de qualquer sistema fiscal (sendo, nessa medida, "justa"). Não me venham é com balelas sobre a "diminuição das desigualdades" por (esta) via fiscal...

domingo, 13 de novembro de 2016

Certezas e certezas absolutas

No post imediatamente anterior deste blogue, digo alguma coisa - por sugestão de Daniel Zamith-Abreu - acerca das relações (de proporcionalidade) entre ignorância e auto-confiança e entre ignorância e felicidade.
Agora, eis uma relação que não é de mera proporcionalidade.
Se o tema for a relação existente entre conhecimento e felicidade (ou mera harmonia - e contentamento - no entendimento com os outros), é fácil ilustrar tal relação com um exemplo simples: as probabilidades de que eu e tu nos chateemos um com o outro a discutir mecânica quântica é praticamente igual a zero. E porquê? Porque ambos sabemos "zero" do assunto, pelo que não há chatice possível entre ambos. O problema só se adensa se um dos intervenientes tiver lido um panfleto acessível e simples sobre o tema (por exemplo, porque deu uma olhadela à "breve história do tempo" de Hawking) e se convenceu de que ficou a saber alguma coisita sobre o assunto. Mas mesmo nesta última hipótese, o drama será quase nenhum (e será certamente curtíssimo), mercê da circunstância de preponderar a consciência de que, afinal, o desconhecimento sobre esse tema é comum aos dois intervenientes no diálogo (pelo que uma eventual medição de pilinhas se acaba por esvair num abrir e fechar de olhos...).
Mas esta felicidade e harmonia com os outros (que tende a ser sempre tanto maior quanto maior for a ignorância... e que é exponencialmente maior nas situações em que a mesma ignorância é partilhada e comum a todos) já se exprime de maneira diferente (numa visão gráfica: não em termos "lineares", mas já mais em termos "ondulatórios"...) quando se trata da questão das certezas e... das certezas ABSOLUTAS.
De facto, a hipótese de que tenhamos a CERTEZA sobre alguma coisa pode provir: 1) de um considerável conhecimento acerca de um assunto, ou 2) de um profundo desconhecimento (de ignorância) acerca do mesmo assunto.
Passa-se exactamente a mesma coisa com as certezas que são ABSOLUTAS: 1) estas podem resultar de um aturado e profundíssimo estudo acerca de determinado tema (o qual pode conduzir a meia dúzia de ideias firmes e inamovíveis sobre este tema), ou 2) aquelas certezas ABSOLUTAS podem ser produto da mais atroz ignorância (a qual é, por definição, perfeitamente acrítica e pronta para empreender qualquer burla capaz de fornecer qualquer aparência de sapiência).

Até aqui, há um paralelismo que tende a ser linear: as certezas absolutas (como as meras certezas) tanto podem provir de grande conhecimento sobre determinada matéria, como de uma monumental ignorância acerca da mesmíssima matéria (lembre-se o modelo ptolomaico...).
Porém, o que é interessante observar é que as hipóteses de que se atinjam certezas ABSOLUTAS são muitíssimo maiores quando estas certezas são resultado de tremenda ignorância e não de um conhecimento (verdadeiramente) profundo.
Muito simplesmente, é (fenomenologicamente) mais directa (e íntima) a ligação que se estabelece entre "certezas" e verdadeira ignorância, do que aqueloutra relação (mais distante, menos íntima e menos directa) que intercede entre "certeza" e verdadeiro conhecimento.
Mas mais: no caso das CERTEZAS ABSOLUTAS, esse fenómeno é ainda mais vincado (e não apenas numa escala gradativa). Tudo porque as certezas absolutas só quase podem provir (fora notáveis e contadas excepções) da mais nefasta e crassa ignorância (que, ademais, pretende usualmente impor-se aos outros).

Resta só acrescentar (para recuperar a temática da ligação disto à felicidade...) que, neste último caso, são esmagadoras as hipóteses de que se seja feliz, pois a felicidade surge mais facilmente quando se acredita piamente em alguma coisa ou se tem dela a certeza absoluta.
Claro que tudo se complica ainda mais se a isto chamarmos "fé". Mas essas são contas de outro rosário e que não são para aqui.


Mr. McArthur Wheeler (ou a relação entre a ignorância e a auto-confiança)


Não é a história do sumo de limão (contada no artigo incluso no link acima) que é fascinante. O que é admirável é a conceptualização segura de que a profunda ignorância tende a insuflar de confiança quem dessa ignorância (por vezes crassa) é vítima. De facto, quem não conhece exemplos práticos (e exuberantes) disto mesmo? Sim, da nossa vida (real) de todos os dias...
Só acrescentaria uma coisa à abordagem do artigo abaixo: é que a felicidade (ou o nível de "contentamento com a vida") tende a ser directamente proporcional à ignorância. Sim, falta esta parte: a auto-confiança - que acaba por se revelar patética para os outros - cresce (é tanto maior) à medida que a ignorância é mais crassa (o que redunda numa relação de proporcionalidade inversa estabelecida entre a auto-confiança e o conhecimento). Mas a felicidade, essa, tende a aumentar em directa proporção à ignorância mais profunda, i. e., há tanta mais felicidade quanto é mais profunda (i.e., quanto é maior) a ignorância de cada indivíduo acerca do que o rodeia...
Ainda bem que sou feliz! :-)

sábado, 12 de novembro de 2016

The Guests - Leonard Cohen



Forever Hurricane



O império da opinião

Há uma imparável excrecência que se vem expandindo incontrolavelmente (sobretudo, em pretensos "debates" mediáticos): a "opinião". Não se trata da verdadeira opinião: falo, sim, de pretensos factos travestidos de opinião e que se impõem como que com a respeitabilidade de um verdadeiro ponto de vista.
O mecanismo é simples: o sujeito "x" profere uma barbaridade ou uma falsidade (intersubjectivamente incontornável) - qualquer coisa do estilo "2 mais 2 são 5" (o expediente funciona melhor se for proferido "alto e bom som" e com "ar" de certeza absoluta).
A seguir, perante os protestos e as observações de quem teve que ouvir a asserção miserável, o autor do dislate limita-se enfaticamente a proclamar: "é a minha opinião"! E pronto... não se fala mais nisso. Até porque a álgebra pode encerrar mistérios cheios de curvas e, por outro lado, ninguém quer ser apodado de intolerante.

É assim que a coisa anda: "isto é preto"; "não, é branco, e é a minha opinião".
Fossem as coisas só com a álgebra e as matizes cromáticas e estávamos nós bem. Mas não. O mesmo se passa com a história, a política, a arte, o desporto, etc.
Por exemplo: dizer que o Secretário foi "o melhor lateral de todos os tempos do Real Madrid" só pode ser produto de acabada cegueira; mas pode ser invocado como matéria de "opinião"... e, assim, já os outros têm que ficar (supostamente) calados.
O mesmo acontece com a história (por exemplo: "acho que o genocídio dos judeus nunca aconteceu"...), a política ("a minha opinião é a de que os governos só devem ser eleitos por quem ganha mais de 5.000.000 de Euros por ano"...), a arte (fiquemo-nos pela música: "na minha opinião, o Zé Cabra é o melhor cantor lírico de sempre"...), e assim por diante.
A suposta "opinião" - por mais distante daquilo que se possa considerar como factual ou como sendo de elementar bom senso - funciona desta sorte: jamais se pode chamar cavalgadura a quem "opina". Porque é só... "opinião".

Enfim... estou sempre a aprender.

Tired of America?



A vitória de Trump


Entendamo-nos: Trump não é (nem será) causa de quase nada; é antes a consequência de tudo um pouco. E nunca só na América.