quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Manuel Sérgio: o velho filósofo de serviço




O Senhor Professor Manuel Sérgio é um homem de vetusta idade. Basta-me isso para o respeitar. 

Sucede que a sua idade (e o respeito e afecto que nutro por todos aqueles que a têm) me impede de usar alguns adjectivos que, a seu respeito, me pareceriam apropriados.
A minha única hesitação reside aqui na circunstância de este "lente" não se coibir, muitas vezes, de apodar os outros.

Mas enfim, tentemos lá conter substantivos e adjectivos que poderiam parecer excessivos. Vou fazer um genuíno esforço.

O Senhor Professor Manuel Sérgio desapareceu completamente do mapa durante vários anos - e muito convenientemente - depois de ter fundado o PSN, ter sido deputado por este "partido" e tudo ter acabado numa imensa trapalhada, com contornos que chegaram a ser de polícia.

Para quem não se lembra (eu - a caminho dos quarenta - lembro-me bem, apesar de nem na internet se encontrarem hoje grandes vestígios...), o PSN, obra deste Senhor Professor, era, à época, o chamado partido dos "velhinhos" e "pensionistas". Ou seja: já aqui, Manuel Sérgio revelava exuberantemente a sua tendência para tirar partido do que tivesse a ver com as questões da "idade" das pessoas que têm a sorte de habitar no mesmo planeta do que ele.

Com uma votação notável dada por idosos pensionistas, Manuel Sérgio fez-se eleger a ele próprio (claro) para o Parlamento. E lá foi ele para o hemiciclo, na década de 90, sempre impante.

As chatices vieram depois. "Burla" foi o mais simpático dos epítetos que mereceu a manobra eleitoral em questão. E a brincadeira acabou mal, com o PSN extinto, o lugar no Parlamento apagado da memória e os velhinhos eleitores a verem quotas (e mais outros donativos, segundo se dizia) a voarem para o espaço sideral, sem que as suas pensões, por obra e graça de Sérgio, tivessem aumentado sequer um tostão.

A coisa acabou tão mal e tão vergonhosamente que Manuel Sérgio desapareceu, pura e simplesmente, do mapa. Nunca mais se ouviu falar dele. Durante anos.

A lavagem de imagem - e a ressurreição - só veio depois. E foi com Mourinho.

O Professor Manuel Sérgio tinha dado, em tempos longínquos, umas aulas ao treinador e, claro, não pôde perder a oportunidade: diligenciou para que lhe fosse atribuído um "doutoramento honoris causa" (!) numa área qualquer que tinha que ver com Desporto e Filosofia, e Mourinho, agradecido, fez o serviço - Sérgio era, afinal, um "fantástico" personagem e um poço de sabedoria.
A manobra foi um êxito: o Professor de filosofia do desporto e de motricidade (ou lá do que seja) estava de volta aos escaparates, para receber elogios um pouco de todo o lado, também graças à sua longevidade e idade muito avançadas (sempre as questões da idade "ao barulho"...).

Tirando partido disso mesmo, Sérgio compôs então o ramalhete, para que a sua ressurreição mediática estivesse completa e garantida: foi buscar a ignorância patusca de Jesus, os almoços que ambos tinham tido nos tempos do Belenenses e fez dele palestrante... na faculdade.
Jesus, claro, sempre vaidoso, não resistiu. E é daí que surge a conversa babosa da "ciência" que Jesus inventou. E que Sérgio, sempre atento, incentivou. Em tom professoral, como é lógico.

Obviamente que estava tudo perfeito: a nível internacional, havia Mourinho; para consumo interno, havia Jesus.
Com isto, Manuel Sérgio regressava às suas "sete quintas". E às televisões e jornais, como é evidente.

O mais extraordinário disto tudo é que isto revela um pouco do país que somos. E gostava de tentar explicar porquê.

Em primeiro lugar, porque só em Portugal é que se consegue completamente apagar da memória colectiva um episódio tão triste - e desavergonhado - como foi o do PSN.

Em segundo lugar, porque só em Portugal é que se consegue fazer valer uma imposturice como a que Sérgio sempre vendeu: a de que era, desde há dezenas de anos, um filósofo... do desporto.
Inclusivamente em Portugal, há quem escreva boa filosofia inspirando-se no desporto. Mas esse não é, decisivamente, o caso de Manuel Sérgio.
Tudo porque Sérgio se limita a debitar uma quantidade interminável de banalidades (sempre com ar de ancião): aquela em que mais costuma insistir é a de que "para perceber de futebol (ele percebe imenso, está claro) é preciso perceber de muito mais do que de futebol".
Como fica à vista, esta tirada é tudo menos "filosofia". É apenas uma evidência do senso comum (aplicável a qualquer área), ornamentada com um estilo barroco (também conferido pelos ares de "avôzinho" e por umas citações a filósofos das sebentas antigas).

Pura e simplesmente, não há pachorra. Mas em Portugal, resulta. Muito porque a esmagadora maioria dos jornalistas que temos são de uma ignorância confrangedora (e que dizer, então, dos "jornalistas desportivos"...).

Em último lugar, porque só em Portugal é que era possível o expediente de tentar fazer de Jorge Jesus um "cientista" (ou, pior, um "filósofo" do que quer que fosse). Chegou a ser grotesco, há um par de anos, começar a ver Jesus aparecer com citações a Pascal. Citações que, claro, lhe haviam sido fornecidas por Sérgio, no cúmulo do embuste e da bacoquice intelectuais.

Parece que, agora, Manuel Sérgio - desde o PSN, sempre muito atento às questões da "idade" - veio fazer mais um servicinho a Jesus, envolvido numa guerra fratricida com o Benfica. Veio dizer que "Luisão está acabado". Por ser velho, evidentemente. Porque só Sérgio é inapagável pela sua idade. De facto, Sérgio é, ao que parece, eterno.

A verdade é que Manuel Sérgio não é do Belenenses, do FC Porto, do Benfica, ou do Sporting. Como não é da filosofia (a verdadeira), ou sequer foi do PSN. É dele próprio, e só dele, para seu exclusivo interesse e proveito.
O problema é que isso é tudo menos abonatório.
Mas, à parte disso, estou certo de que é um velhinho encantador.