terça-feira, 20 de setembro de 2016

O novo imposto sobre o património imobiliário

1) O anunciado novo imposto sobre o património é uma aberração. É uma aberração jurídica e é uma aberração económica (pois... há essa coisa chata - mas inapagável - dos "efeitos económicos dos impostos").
Este post podia terminar aqui. Mas tenho mais umas coisas sem importância para dizer.
2) Escrevi aqui 50 vezes que os que previam que este governo duraria por um curtíssimo espaço de tempo estavam completamente enganados. Até agora, o futuro tem-me dado razão.
3) Mas o Verão acabou. E o recreio também. Agora seguem-se os serviços que Costa se comprometeu a prestar às esquerdas estalinista (o PCP) e trotskista (seja lá o que isso for). De facto, nunca houve almoços grátis. Nem haverá.
4) A consequência disto é que chegou a altura de fazer "pause" no "bairro do amor" e já não vai ser possível pedir mais uma caipirinha enquanto, na praia, se proferem uns dislates sobre viagens da GALP e outras coisas sem verdadeira importância.
5) Agora - e ao fim de 9 meses - chegou o embate da realidade: a dura realidade. Que tinha que chegar. E para a qual deviam ter ficado guardadas as munições desperdiçadas pelos detractores do executivo (com críticas contraproducentes feitas nos últimos meses): não é o facto de "vir aí" um "desastre" que interessa (como a "oposição" inexistente não se cansou de perorar); o que importa é fazer constatar o que está mal (e o que foi de mal a pior).
6) O exemplo do anunciado imposto sobre o património é um exemplo flagrante de tudo isto.
7) A primeira imbecilidade é o "anúncio" prévio em si mesmo. Os impostos não se anunciam: lançam-se. Ponto final. Até porque o seu mero anúncio tem importantes consequências económicas.
8) Já tinha sido antes anunciado um patético (e renovado) imposto sobre as sucessões. Resultado óbvio: milhares de pessoas andaram a correr a "pôr coisas" em nome dos filhos, dos enteados e quejandos. Debalde.
9) Como também me tenho cansado de dizer, quem manda nos impostos em Portugal sabe da poda. Conclusão: podem pôr o que quiserem no "nome" de quem quiserem. A nova tributação incidirá sobre o valor patrimonial dessas coisas, independentemente de quem seja titular delas. Na verdade, não interessa ao governo de "quem" vem a receita fiscal; interessa é que ela seja recolhida para os cofres de Estado. E factos são factos.
10) Havia aliás uma vantagem conexa a esta opção estratégica, para além de se deixar cair um imposto (sucessório) completamente patético (que, esse sim, já estava morto e enterrado há vários anos, num avanço civilizacional básico). É que agora, com o novo "imposto sobre o património" (sobre o qual pouco se sabe, apesar de ter sido já anunciado) servia-se o mirífico e anquilosado sonho das "esquerdas": o ataque aos (supostamente) abastados. Enfim... é a velha conversa da "igual repartição das misérias", ao invés da "desigual repartição das riquezas".
11) Mas o pouco que se sabe sobre o novo imposto já é suficiente. Ao menos para que se perceba o ridículo que é.
12) Comecemos por um simples exercício de merceeiro: o governo resolveu atenuar a tributação sobre restaurantes e tascas em 100-200 milhões de euros. Porreiro. Agora é preciso ir buscar o mesmo montante ao património imobiliário de quem quer que seja.
13) Portanto, passamos a ter o seguinte quadro: quem adquiriu um imóvel pagou IMT. Depois, enquanto não vender, paga, todos os anos, IMI (que pode ser maior consoante o sol que bata lá em casa...). Claro que se o imóvel tiver um valor (VPT) superior a 1.000.000 de Euros, paga, em acréscimo, a título de Imposto do Selo (ver a famosa verba 23 da Tabela Geral do IS)10 mil Euros (pelo menos...: a taxa do imposto é de 0,1%, pelo que os dez mil Euros são só para as casas e terrenos de 1.000.001). Enfim... um verdadeiro festim.
14) Claro que os erros flagrantes no desenho do Imposto do Selo que já vinham de trás permitiram, quanto a certos casos, destruir o imposto. Eu mesmo assinei, com toda a convicção e quanto a um caso em particular, os instrumentos para que tal sucedesse. O resultado era evidente e só podia ser um: os falhanços com o princípio da igualdade fiscal e o princípio da capacidade contributiva eram tantos que se metiam pelos olhos dentro... Em suma: basta ir ao website do CAAD para ver o que aconteceu.
15) Como quem agora mexe nisto sabe do assunto, o novo imposto sobre o património já não será juridicamente atacável por aqui (esqueçam, se faz favor, as conversas sobre os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva; e nem vale a pena perorarem sobre o limite mínimo dos 500.000 Euros...). Mas vai ser atacável por outro lado. Permito-me guardar para mim, por enquanto, esses pormenores. Até porque há ainda muito para saber sobre esta nova figura fiscal.
16) Certo, para já, é isto: o Governo pretende agora tributar património que resulta de anos de acumulação já previamente tributada. Ou seja: a malta comprou casas com o que amealhou depois de pagar impostos. Agora volta a pagar mais imposto sobre o que tinha amealhado (e, supostamente, já tinha sido tributado ao longo dos anos... através de vários impostos), sempre que o que foi amealhado tiver sido usado na aquisição de património imobiliário. Bestial.
17) Não se pense que o problema jurídico é o da dupla tributação. Não há nada que a ela obste do ponto de vista jurídico: não há nenhum princípio jurídico genérico de proibição de "dupla tributação" - como, aliás, se constata nos casos do imposto sobre o tabaco, o álcool, etc., etc. A dupla tributação é só um grande problema jurídico quando o valor do imposto incide já sobre um outro imposto, como se passa no IA). O problema é só ético. E económico.
18) Interessante é que o pessoal se anime com a reanimação do mercado imobiliário em Portugal neste momento. E que se passe a vida a tornar atractivo o investimento imobiliário estrangeiro em Portugal. Agora, toca de os tributar à real-gana. A tropa dos restaurantes agradece.
19) Escusam também de constituir sociedades comerciais para que os imóveis lhes pertençam e escapem ao imposto. Essas sociedades pagarão este imposto também (o que, tecnicamente, salvo pormenores, até está certo).
20) E escusam de tentar vender os imóveis: o "peso" do imposto faz-se sentir imediatamente, independentemente da ocorrência de qualquer transacção. É o velho fenómeno da "amortização fiscal": mal é lançado o imposto sobre o valor do bem (imóvel), o "peso" do imposto faz-se imediatamente sentir no valor pelo qual este pode ser transaccionado (que passa a ser, obviamente, menor). Não há aqui novidade. A novidade é só mesmo a de que o "anúncio" do novo imposto (antes mesmo de ele existir juridicamente) já produz este efeito de diminuição de valor. O que é de bradar aos céus, para dizer o menos.
Em suma: a praia acabou. E talvez seja tempo de voltar a alto mar. Sem a tal caipirinha - que, aliás, também paga imposto.