quinta-feira, 22 de novembro de 2012

 
 
"O chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal, Abebe Selassie, defendeu, numa entrevista ao "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias", que, no segundo trimestre de 2013, o PIB deverá inverter a sua tendência de queda e regressar a terreno positivo em 2014. O representante da troika disse também que Portugal poderá voltar a ter taxas de desemprego mais baixas no longo prazo. No que diz respeito à necessidade de se refundar o Estado social, no âmbito do pacote de poupanças de pelo menos quatro mil milhões de euros, Abebe Selassie diz que o Governo português deve debater o que "realmente quer fazer" nos sectores da saúde, na educação pública e nos apoios sociais.
Três coisas rápidas:
Primeira: porque raio um funcionário do FMI, que ninguém elegeu, se acha no direito de dar entrevistas em que manda postas de pescada sobre as grandes escolhas políticas de um Estado soberano? O senhor Selassie está em Portugal, diz-se, para acompanhar a aplicação de um memorando assinado pelo Estado português. Que se sente na sua secretária, no seu horário de trabalho, e o faça. A participação, através da comunicação social, no debate nacional sobre as grandes opções política de Portugal, país do qual não é cidadão e onde não vive, não está contemplada nas sua funções de mero burocrata.
Segunda: não sei se o senhor Abebe Selassie leu as conclusões da instituição para a qual trabalha e se sabe que o FMI conclui, recentemente, que em vez de se perder cinquenta cêntimos por cada euro de austeridade (onde se incluem o aumento de impostos e os cortes na despesa do Estado), como previa, se perdiam entre 90 cêntimos 1,70. Ou seja, que a economia perde mais do que ganha com a austeridade. Bem sei que no mastodonte de incompetência que é o Fundo Monetário Internacional - que tem deixado um rasto de destruição em tudo o que toca -, aprende-se lentamente e se trabalha em piloto automático, mas seria bom que as conclusões a que chegam servissem para alguma coisa.
Terceira: as precisões da troika para a evolução do PIB não valem um cêntimo. Recupero aqui um excelente quadro, feito pelo jornal "Público", sobre o que foi sendo previsto nas sucessivas revisões do memorando de entendimento. Na sua primeira versão, dizia-se que o aumento do PIB seria, em 2014, de 2,5%. A previsão manteve-se em Setembro de 2011, na primeira revisão. Na segunda, em dezembro, já era de 2,4%., Na terceira, em abril de 2012, era de 2,1%. Na quarta, em Junho, era ainda de 2,1%, mas na quinta, em outubro, quando finalmente os efeitos das receitas recessivas da troika se começaram a sentir a sério, tinha passado para 1,2%. Um mês depois, em novembro, a sexta revisão já fala de 0,8%. Acho que estamos conversados sobre as capacidades técnicas destes senhores em preverem os efeitos económicos do que defendem. Por isso, se é para destruírem um país, que ao menos o façam calados".


Daniel Oliveira, Expresso online