segunda-feira, 30 de novembro de 2015

As crónicas do marquitos

http://sicnoticias.sapo.pt/opiniao/2015-11-29-Luis-Marques-Mendes-analisa-o-Novo-Governo-e-o-fim-dos-exames-do-quarto-ano



Mesmo em cima, está o link para o comentário (na SIC) do marquitos esta semana. Esta coisa de lhe chamar marquitos é obviamente afectuosa e espero que ele não se importe: quem degustava ser chamado de "shorty", apreciará, evidentemente, ser denominado  marquitos. É mais português e dá nota de toda a sageza deste ícone.

Nesta semana, mais uma superior demonstração de talento do meu "comentador político" preferido. E foi com Pedro Mourinho como interlocutor, o inesquecível e histórico pivot do "jornalinho" (ah, que saudades...) e dos primeiros tempos de "O Dia Seguinte"- ou seja: um interlocutor definitivamente à sua altura, especialmente nestas coisas da política.

Desta edição, recordarei, com particular apreço, três coisas (ou lições, o que, falando em marquitos [p.f.: não confundir com Marquês], vai dar ao mesmo):

1) Sabendo que os ministros que anunciara no programa anterior não estavam, na sua esmagadora maioria, no Governo de Costa (à excepção de 3 ou 4 - em dezassete - que vinham em tudo o que era jornal), marquitos contornou sabiamente, como é seu apanágio, este deslize de Costa, esta teima "Costista" em vir ao arrepio dos seus "comentários". Gostei de como soube evitar este embaraço de Costa. É que, afinal, marquitos estava, como sempre, bem informado.
2) Quanto à Administração Interna, em tempos de Vistos Gold e de Kamov, gostei sobretudo do remoque à anterior ministra da Administração Interna (só não percebi porque se esqueceu, no meio, de falar no anterior ministro, agora de saída e merecedor de respeito; mas há coisas que a minha compreensão não alcança quando se trata de perceber o fulgurante e meteórico raciocínio de marquitos). Com efeito, que topete dessa ministra em recusar-se a atender-lhe o telefone (ou um dos 22 telefones que marquitos usa), quando, como é seu hábito, só queria colher "informações" (como explicou no vídeo ao fundo) sobre vários assuntos em que insistiam em associá-lo (ou ao seu grande amigo Macedo)! De facto, há coisas que não se compreendem!
3) Quanto aos exames da quarta classe, que agora acabam, marquitos brandiu críticas. E muito bem. Sagaz outra vez: marquitos sabe que, agora, desaparecem exames em que até ele era capaz de passar. Em suma: mais uma vez, certeiro.

Para a semana há mais. Felizmente.
Um abraço aqui da China, marquitos! Sei que tens por aqui muitos amigos, que te mandam um abraço também.


City of delusion / Muse


Animals / Muse


Advertise, downsize, lay off....
Analyse, franchise, kill the competition...

Kill yourself.


Invincible [together we are] / Muse


sábado, 28 de novembro de 2015

Vasco Pulido Valente sobre Cavaco

"Depois de um mês de fitas sem propósito, nem sentido, o Presidente da República acabou por encarregar Costa de formar governo: uma solução que toda a gente sabia inevitável e ele também. Mas ficou com dezenas de audiências e um molho de papéis na mão, com que ele provavelmente se pensa justificado. Não percebeu com certeza que daqui a dois meses vai desaparecer de cena para grande alívio dos portugueses, que o vêem como o grande responsável pela catástrofe que nos caiu em cima e que desmanchou o equilíbrio político da República. Mesmo no PSD não o conseguem engolir, apesar do seu longo e munificente mandato de primeiro-ministro, de que, para não variar, saiu tão mal como saiu agora, para grande desconsolo do partido e dos seus mais devotos fiéis".

Vasco Pulido Valente - Público (27/11/2015)

Costa para criancinhas


Quadratura do Círculo - 26 de Novembro 2015

https://www.youtube.com/watch?v=Bd-DdkQXvKU



terça-feira, 24 de novembro de 2015

A matemática das palavras


É uma outra matemática, mas é matemática.

Há uma lógica e uma estética ocultas na arrumação das palavras. Elas encaixam, nos dias felizes, umas nas outras, com inteira perfeição. Pedem-se, mesmo, umas às outras e o arranjo final tem uma assinatura também implícita.

O verbo pode vir no fim, há gerúndios que fazem sentido, há vírgulas fundamentais. Mas há, sobretudo, uma lógica perene que, todavia, não sobreviveria sem o estilo. E que transcende a linguagem e o encadeamento das ideias, malgrado seja este essencial. Como num puzzle perfeito: o da engenharia das emoções, que os números teimam em não alcançar.

É, sem resto, a matemática das palavras.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Mas queriam o quê?

As declarações que Marinho e Pinto fez ao Expresso há uma semana sobre a eventualidade de um governo de esquerda e em que considerava ser “mais útil ao país que o PS permanecesse na oposição” foram a gota de água que trouxe à tona algumas desconfianças e divergências submersas no Partido Democrático Republicano (PDR).
Esta semana, num comunicado conjunto, dois fundadores, o ex-diretor de campanha, o cabeça de lista e ex-nº 2 por Santarém, dois membros da Comissão Política, e ainda outros candidatos apresentaram a sua cessão de confiança por “fortes e insuperáveis dissidências de substância, ideologia, estilo, discordâncias de programa, desencontro evidente de objetivos e visíveis divergências de matiz político”.
Entre as mais de dez demissões que surgiram após as legislativas está a de Eduardo Milheiro, fundador e membro do Conselho Nacional, que numa carta dirigida a Marinho e Pinto acusa-o de ter uma atitude “autocrática, continuando o seu percurso de colagem à direita”.
Além das divergências ideológicas aquele ex-membro disse ao Expresso que há “falta de democracia interna” e que o partido “mais parece um grupo de amigos que se junta ao fim de semana para fazer umas reuniões e almoçar”.
Confrontado com as acusações e as demissões, Marinho e Pinto contra ataca afirmando que a maior parte dos que saíram “são pessoas que têm uma ambição maior do que o próprio casulo”, que não foram eleitas no congresso de maio e que “queriam agora elegerem-se e fazer uma caça às bruxas”. E conclui: “Andaram à minha volta a bajular-me, alguns até com elogios patéticos, mas como sou impermeável, foram embora. Parabéns. Boa viagem.”
Expresso

A maior calma do mundo


Enciclopédico


Eixo do Mal e Governo Sombra - 21 de Novembro 2015

https://www.youtube.com/watch?v=qD34lZ-sA5o

https://www.youtube.com/watch?v=Zk1I-2P7vZo


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Com a devida vénia, o "mestre da táctica": Luís Marques Mendes


Terem querido chamar a Jorge Jesus o "mestre da táctica" foi das maiores injustiças que se fez neste país. Verdadeiro "MESTRE DA TÁCTICA" há só um, e mais nenhum: chama-se Luís Marques Mendes.

Cada cartada de Mendes podia ser um livro de Sun Tzu para ler antes de ir dormir. Pena que não tenha ido a tempo: a "Arte da Guerra" só teria a ganhar em ter bebido da sapiência táctica e estratégica de Marques Mendes.

Nunca se viu Mendes perder num único tabuleiro, numa única batalha. E a sua mestria táctica (a mesma que justifica que deva agora ser ouvido por tudo e todos nos seus comentários) não conhece par. É, pois, com inteira justiça que nos ensina hoje, num estilo superior ao de Marcelo Rebelo de Sousa, o que fazer em cada situação da política ou, em geral, da vida.

Na verdade, os conselhos que vai dando a cada líder político nas suas habituais preleções deviam ser sempre seguidos à risca e é uma pena que nem sempre o sejam.


Luís Marques Mendes licenciou-se na Faculdade de Direito de Coimbra. Como já na altura corria, um pouco por todo o lado, o rumor de que era absolutamente brilhante, optou, inteligentemente, por não se fazer notar, de modo a não dar nas vistas. Por isso, licenciou-se com uma nota de que ninguém se lembra, de modo a que nada pudesse toldar um futuro que, já à época, se adivinhava brilhante. Era logo aqui a prudência táctica que aconselhava este passo. E eram os primeiros augúrios de uma inteligência luminosa e da apetência pelo Direito e pelo justo.


Ainda se estava longe da genialidade da adesão ao "body board" (para, noutra jogada fulgurante, fazer aderir os "jovens" e garantir a visibilidade dos bonecos da "Mandala"), mas Mendes seguiu, imparável, para Fafe, onde, de 1977 a 1985, foi vice-presidente da Câmara Municipal, a mesma edilidade que já tinha sido presidida por seu pai. Era enfim, noutra cartada digna de compêndio, o sempre necessário "regresso às origens": para ganhar calo e crescer, adquirindo preparação para os tremendos desafios que se avizinhavam, à escala do país, da Europa e do mundo.

Dali, Mendes partiu para não mais voltar, sempre com o fito na estratégia perfeita e colhendo sempre os resultados que dela advêm.

Em alinhamento impecável (que ainda hoje não esquece nos seus portentosos comentários políticos), Mendes foi porta-voz dos governos de Cavaco Silva e, inúmeras vezes, deputado. Bem como ministro, claro: por exemplo, de 2002 a 2004, foi ministro dos assuntos parlamentares e, noutra jogada de mestre, teve Rui Gomes da Silva como sucessor, nunca descurando, como verdadeiro estratega, quem lhe sucedia.

Mas isto foi num passado luminoso e sempre pleno de visão. Estava na forja um homem capaz de dar os melhores conselhos (por isso é, de resto, actual conselheiro de Estado de Cavaco), delineando as mais perspicazes estratégias.


Depois, veio o desafio mais importante da sua carreira política: ser líder do PSD, entre 2005 e 2007, período em que todos puderam aperceber-se do seu imbatível domínio das "bases" do partido, pelo qual já era, aliás, famoso.
O epílogo desta manobra revela, uma vez mais, interminável sagacidade: dono do partido e das "bases", limitou-se a perder propositadamente a liderança do partido para Luís Filipe Menezes - um adversário de peso - de modo a que todos ficassem a pensar que não estava farto daquilo. Mas estava. De outro modo, jamais poderia ter perdido, ou não fosse ele o "mestre da táctica".
Claro que convém não esquecer que a intenção foi também, naquela altura, a de trazer valorosos homens como Ribau Esteves à ribalta, já que este se tornaria no proeminente secretário-geral do PSD escolhido por Menezes.

Mesmo os remoques, em 2005, de Belmiro de Azevedo foram tratados com a característica mestria e contornados com classe. De facto, quem é que hoje se lembra que Belmiro disse que Mendes "não servia sequer para porteiro da Sonae"? Certamente, ninguém. E tudo porque Mendes, uma vez mais, em manobra de lente, soube apagar da memória colectiva o comentário mordaz. Simplesmente brilhante outra vez, como já haviam sido fantásticos os tempos do "Plateau", em que, fazendo incontáveis "amigos" por lá, aprendera a fintar, em antecipação sempre bem informada, o "pânico das sextas-feiras" dos tempos de "O Independente".


Entretanto, já ligado, enquanto "consultor", à "ABREU ADVOGADOS", Marques Mendes fez do "comentário político" a sua arte de eleição, que exercita também no Conselho de Estado.

Sempre certeiro, sempre sem dar tréguas, sempre avesso a interesses, nunca transmitindo recados. Dos "Vistos Gold" ao Benfica, do BPN à moralidade, do "caso BES" aos livros que acabaram de sair, da composição dos governos aos desportos radicais, da saúde aos eventos sociais, dos helicópteros Kamov às telenovelas, do Direito Constitucional ao futsal, o "shorty" (como era chamado carinhosamente por alguns) tem sempre a bondade de nos explicar tudo - e agora na SIC, em apenas 25 minutos semanais.
Porque sabe bem - muito bem - do que fala. E, sobretudo, do que não fala (e que tem tanto significado - ou mais - como aquilo de que decide falar, tal como alguns exemplos acima comprovam). Tudo porque, com Mendes, o que não é dito está forçosamente implícito.


Impoluto, clamou, desde o início, por uma mudança moralizadora de hábitos e de costumes na política portuguesa, sempre impermeável a jogos de bastidores: como fez com Isaltino Morais e Valentim Loureiro, ainda que estes fossem "incómodos" para si no PSD (mas o que só fez aumentar a genialidade do afastamento e ostracismo a que Mendes, desinteressadamente, os votou).

Com ele, o passado ficou lá atrás. Sempre uma vez por semana, sem contraditório possível (que, mesmo que existisse, seria dispensável, por ser despiciendo), para acabar com tudo o que é "trapalhada" (para usar a palavra que tanto gosta de dizer).


Explicando tudo em palavras sobejamente acessíveis ao comum dos mortais, Marques Mendes dedica-se, todas as semanas, pacientemente, a desnudar ao povo as voltas da grande política, de que agora não quer fazer parte, por ser avesso a protagonismos. Multiplica-se em telefonemas e atende sempre quando o seu telefone toca: só por amor às explicações de que os cidadãos carecem. E pelas quais, obviamente, anseiam.

Do alto do seu pensamento esclarecido, Mendes explica quais são as "trapalhadas" que interessa esclarecer, porque é que Cavaco age como age e quais são as suas opções nos actuais "cenários", porque é que Catarina Martins fez, em 2015, a melhor campanha das legislativas.


Peguemos, de resto, neste último exemplo: alguém percebeu, nos comentários feitos antes das legislativas deste ano, que Mendes pretendia, com os elogios rasgados e repetidos feitos a Catarina, impedir o voto útil no PS? Claro que não.
Foi outra vez brilhante. Ninguém jamais se aperceberia que o objectivo era fixar votos no BE, de modo a que o PS ficasse atrás da PAF.

Dir-se-á: "pois é..., mas a influência dos comentários de Mendes é tamanha que fez com que o BE tivesse um resultado estrondoso", tornando a "maioria de esquerda" no Parlamento mais virada... para a "esquerda radical"!
No entanto, quem diga isto não acompanha novamente o raciocínio vertiginoso de Mendes. É que com os elogios a Catarina Martins, Marques Mendes já estava, outra vez, a ver "para além da curva": o que, na verdade, pretendia era que houvesse uma coligação de "esquerda" a governar (por 6 meses ou pouco mais) para que, depois, o seu PSD regressasse triunfante, com maioria absoluta evidente. Get it, folks?

Como em muitas outras coisas, isto é apenas revelador de pura vidência, quiçá influenciada por um outro talento de Fafe - o do "bruxo" - em mais um regresso às origens.

E que dizer quando tem que falar sobre si? O modo apaixonado e simples com que declara "quem não deve, não teme" não deixa nenhuma dúvida.




Seguindo as pisadas de Marcelo Rebelo de Sousa (sua eterna fonte de inspiração e glosa), mas com brilhantismo acrescido, Marques Mendes é o novo dono do comentário político. Sem competidores à altura.



É tão genial e maravilhoso, que aposto que temos aqui Presidente da República para um dia feliz que ainda vai nascer. Talvez até melhor do que Cavaco, se se sujeitar ao enfado de ir a votos, já que a vitória, essa, como sempre, está garantida.
Valha-nos isso.


PS - Escrevo de longe: aqui de Macau (na China...). Mas não faz mal. Porque o fulgor da sabedoria de Mendes não conhece fronteiras.


Putin: pena ser engano

http://nation.foxnews.com/2015/11/17/putin-forgive-terrorists-god-send-them-him-me

Sempre bem

"Não é justificável adiar por mais tempo a formação de um novo governo", diz Sampaio

O antecessor de Cavaco Silva comenta, pela primeira vez, a actual situação política.

As solicitações foram várias, mas o ex-Presidente Jorge Sampaio recusou sempre comentar o desfecho das eleições legislativas de 4 de Outubro. Fê-lo, pela primeira vez, esta quarta-feira, em Beja, numa palestra com o sugestivo título, em forma de interrogação: Que Portugal queremos? 
Sampaio quis ser "claro". E foi: "Sendo as indicações parlamentares fáceis de ler, não é justificável adiar por mais tempo a formação de um novo governo."
Dirigido a Cavaco Silva foi também um apelo: "Portugal precisa de um Governo na plenitude das suas funções, como preceitua a Constituição da República, e capaz de responder às duras exigências que a situação nacional e os constrangimentos internacionais nos colocam." Esse Governo, continuou, deve ter "condições de ver o seu programa passar na Assembleia da República" e deve, na opinião de Sampaio, "governar na plenitude das suas funções".
Com estas condições, embora sem o referir explicitamente, o ex-Presidente afasta os cenários alternativos à indigitação do PS com o apoio dos restantes partidos da esquerda. É que um Governo de "gestão" da actual maioria PSD/CDS, ou até mesmo de "iniciativa presidencial", não dispõe da garantia de ver aprovado o seu programa no Parlamento, nem pode funcionar em "plenitude" de funções.
"No nosso quadro constitucional, os governos formam-se a partir dos resultados das eleições parlamentares, apresentam-se e respondem politicamente perante o Parlamento", afirmou Sampaio, afastando qualquer dúvida sobre a sua leitura das nunaces do "semi-presidencialismo". "Numa altura em que o povo acabou de votar e não pode ser chamado a votar de novo, cabe ao Presidente da República o desempenho de um poder de livre exercício" continuou, "subordinado exclusivamente à interpretação que faz do interesse público". Ou seja, conclui o ex-Presidente, "nomear um Governo que tenha condições" para governar e um programa aprovado pelos deputados.
Jorge Sampaio foi ainda mais longe: "A política é um compromisso continuado com a coisa pública. Nas democracias representativas, o povo delega no parlamento, que elege e que representa a sua vontade, a governação da coisa pública. "
Esta é uma matéria sobre a qual Sampaio tem "convicções fortes". Uma das principais é a de que é "crucial" para o futuro "restaurar a confiança dos cidadãos na política". "Desenganem-se os que pensam que os mercados resolvem tudo ou que as redes sociais e as iniciativas ditas cidadãs substituem o papel do Estado e das políticas públicas. Desenganem-se também os que pensam que a democracia se pode suspender em nome dos humores dos mercados ou da estabilidade entendida como negação de alternativas."
Nesta palestra, Sampaio defendeu ainda "o papel do Estado social e das políticas públicas na criação de sociedades prósperas, coesas e inclusivas."
Falando sobre a relação entre o Estado e os mercados, Sampaio deixou claro que "há áreas em que a intervenção do Estado produz melhores e mais eficazes resultados do que os mercados – é o caso, por exemplo, da educação, da equidade e do acesso em saúde pública, da justiça".
Porém, prosseguiu, "o Estado não pode resolver todos os problemas". O que não significa que os mercados devam substituir as funções públicas: "Os mercados entregues a si próprios não asseguram a estabilidade, equidade e eficácia, porque os mercados não são fins em si mesmos – por exemplo, os mercados sobre-produzem poluição; sub-produzem investigação; ignoram o desemprego, as populações desfavorecidas, a terceira idade."
(Expresso online)

Vou já comprar, antes que também esgote!


António José Seguro apresentou e defendeu hoje a sua tese de mestrado no ISCTE, em Lisboa, obtendo a nota final de 18 valores.
O antigo secretário-geral do PS apresentou um trabalho sobre a aplicação da reforma de 2007 do Parlamento - que ele próprio liderou como deputado - no controlo político dos atos do Governo e da administração entre 2007 e 2014.
O júri era composto por Ana Belchior (presidente, coordenadora dos mestrados em Ciência Política do ISCTE), Manuel Meirinho (arguente, presidente do ISCSP) e André Freire (orientador).
Ao analisar o período em causa, António José Seguro concluiu que a reforma de 2007 aumentou o controlo político do Parlamento em relação ao Governo ao conferir às oposições, por via regimental, instrumentos de que não dispunham na Constituição.
A dissertação dará origem a um livro, a ser publicado no primeiro trimestre de 2016.

(Expresso online - 18 de Novembro)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Então, Cavaco, que tal tem estado o tempo na Madeira?


Devia haver limites para a insanidade.

O que há para saber mais que justifique que Cavaco não decida?
Que luminárias tem que ouvir (daquelas que não saiba, de antemão, o que lhe vão dizer) para se decidir?
Não estavam "todos os cenários" possíveis já pensados por Cavaco, assim como ele dizia?
Será que encomendou algum estudo à McKinsey sobre este assunto, na audiência (!) que lhes dispensou na semana passada?
Podem agora afinal os compromissos de Portugal com a NATO (!) e a UE esperar mais umas semanas?
E o orçamento?

Há, todavia, duas certezas absolutas.
Cavaco vai decidir tarde. E mal, como até ver.
Vamos ao banho?

Lomu


domingo, 15 de novembro de 2015

Paris e a guerra

Tenho a malapata de tentar sempre compreender os dois lados do mesmo tabuleiro. Mas, para isso, e para que possamos compreender, é sempre indispensável que um mínimo de comunicação (e, logo, de tolerância) seja possível.

Em geral (e, portanto, com muitas excepções), não gosto dos franceses dos últimos 100 anos: sempre me irritaram os tiques xenófobos e de pretensa superioridade de quem foi conquistado pelos alemães em três semanas.

Ditas estas verdades sem pudor - e sem os males do "politicamente correcto" - sinto-me no direito (que é de todos) ao disparate. Aqui vai.

O que se passou agora em Paris não tem nome. Como já não tinha nome o que se vinha passando antes de Paris.
O problema não é só o de que não se trata apenas de um acto de guerra suja. O problema é que se trata de um acto de guerra bárbara praticado, de olhos abertos, por delinquentes.

De delinquentes sem hipótese de ressocialização. Sem hipóteses de alguma vez compreenderem.

A verdade crua não está na superioridade do "Ocidente" (seja lá o que isso for) perante o Islamismo radical. Está na vergonha em assumir essa superioridade evidente. A superioridade da tolerância face ao radicalismo autista.

Sei bem de toda a prosápia das explicações para o radicalismo islâmico (e lembro-me logo de Boaventura). Sucede que não quero saber. E não quero saber porque sei que não há a mínima hipótese de que a cegueira do radicalismo termine em abertura para a hipótese de um diálogo mínimo - só para que tentemos compreender-nos uns aos outros.

Para mim, o secularismo é uma vitória decisiva sobre o estado mais primitivo. E é impossível conversar com quem faz da religião (ainda por cima erigida numa interpretação aberrante do Corão) o modo de castrar liberdades e chacinar inocentes.
Já cá tivemos isto. Mas ultrapassámos a coisa.

Mascarados de ninjas e de faca na mão, estes idiotas (para ser simpático) decapitam quem lhes apetece. E de Kalashnikov em punho e com bombas à cintura, sem dizerem palavra, matam quem estiver a jeito. Sem ponta de mágoa, com total autismo, sempre gritando por um género de Alá que nunca existiu.

Pouco me importa, neste estado de coisas, que a culpa possa ser dos "ocidentais". Ou por terem criado esta gente, ou por se terem servido dela, ou por a terem ignorado demasiado tempo.
O que me importa é saber que o resultado será sempre o mesmo: nunca - mas nunca - haverá do lado do Daesh um esforço para ouvir, para falar, para compreender. Concluo, pois, que não interessa quem criou ou manteve o monstro: é preciso eliminá-lo.

É este resultado inelutável que me faz querer guerra com eles. Já.

Esta barbárie das cavernas destruiu uma cultura milenar, apoiando-se na cegueira do que não é o verdadeiro Islão, contra o qual nada tenho contra.
Esta barbárie - em razão da sua profunda intolerância ignorante - não vai parar. E merece uma coisa que poucas vezes tem justificação: guerra.

Defendo, há muito, que um dos males da "Europa" é não ter um verdadeiro inimigo. Ao menos, que seja capaz de ter este.
E se Kim Jong Un quiser juntar-se na empreitada, que esteja à vontade.

Numa guerra cometem-se sempre erros? Sim, decerto.
Mas chegou o tempo de que eles sejam cometidos. Contra estas avantesmas.


Just for the record: Luís Montenegro


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Outra vez Anselmo Borges




Já antes aqui escrevi
que, à época,
não tinha compreendido bem
o imenso privilégio
que foi ter tido
Anselmo Borges
a casar-me.
Sei a quem o devo
e, hoje,
não podia estar mais ciente
desse privilégio.

Mas vamos

ao que verdadeiramente interessa:

"(...) se a constituição do homem é a de um ser unitário, 

também é fundamental entender que é um ser em tensão.
Habituados a pensá-lo como "animal racional", 
rapidamente esquecemos a animalidade,
para ficarmos apenas com a razão abstracta. 
Escreveu Hegel: "O que é racional é real e o que é real é racional." 
Mas vários filósofos, como Nietzsche, Freud, Ernst Bloch,
chamaram a atenção para o facto de a razão, o logos puro, 
não explicar o processo do mundo:
na raiz do mundo está um intensivo da ordem do querer.
Quem mais sublinhou isso foi Schopenhauer:
há uma força que tem o predomínio sobre os planos e juízos da razão:
o impulso, a "vontade".
Portanto, no ser humano, há o impulso e a razão, a pulsão e o lógico,
o afecto e o pensamento, a emoção e o cálculo.
O próprio cérebro, que forma um todo holístico, tem três níveis;
Paul D. Mac Lean fala dos três cérebros integrados num,
mas também em conflito:
o paleocéfalo, o cérebro arcaico, reptiliano, o mesocéfalo,
o cérebro da afectividade, e o córtex com o neocórtex,
em conexão com as capacidades lógicas.

A luz racional é afinal apenas uma ponta num imenso oceano inconsciente

e também tenebroso.
Por isso, nem sempre conseguimos viver em harmonia
e é preciso estar de sobreaviso para não se cair em catástrofes mortais,
também porque as respostas emocionais podem escapar ao controlo racional,
por causa do chamado "atalho neuronal" e do "sequestro emocional":
as informações são lidas pelo cérebro emocional e só depois pelo racional.
Quem nunca fez a experiência de deitar as mãos à cabeça:
"Como foi possível eu ter feito isso!.. Aí, não era eu."
Sem emoção, o que seria a vida, na relação com os outros,
na própria ética, no que à música se refere?
Mas não se pode esquecer a razão.
O ser humano é rácio-emocional.
Para lá desta, há muitas outras tensões.
Vimos da natureza, somos natureza, mas contrapomo-nos à natureza,
é em nós que a evolução toma consciência de si:
somos da natureza e na natureza
e nem sempre a pessoa consegue integrar a natureza.
Vivemos no presente, sempre no presente, mas vimos do passado,
voltados para o futuro;
se perdêssemos a memória, não perderíamos apenas o passado,
mas a identidade,
já não saberíamos quem somos; e estamos sempre voltados para o futuro,
é ele que nos alenta pela esperança.
Já somos, mas ainda não somos o que havemos de ser.
Somos finitos, mas estamos constitutivamente abertos ao Infinito
e perguntamos ao Infinito pelo Infinito, isto é, por Deus.
Sabemos que sabemos e sobretudo sabemos que não sabemos e,
por isso, perguntamos ilimitadamente;
daí, vivermos no desassossego, inquietos.
Somos limitados,
mas a condição de possibilidade de darmos conta do limite é o ilimitado,
de tal modo que, indo ao fora de nós, ao que há e ao que não há,
ao real e ao possível e ao impossível, ao ser, vimos a nós
numa intimidade única.
Estamos em nós e no outro de nós: dentro e fora de nós.
E desdobramo-nos, reflectindo,
de tal modo que, vendo-nos como sujeito que se objectiva,
tomamos consciência da nossa identidade.
Ah, e o outro! Vamos ao encontro do outro,
mas do outro que é outro como eu,
mas sobretudo um eu que não sou eu: um outro eu e um eu outro.
E lá está o encontro, feito de alegria, de fascínio,
mas também o desencontro da ameaça e do possível conflito.
Saber e sabedoria têm o mesmo étimo: sapere, relacionado com sabor.
Para viver, não basta o saber, que é sobretudo teórico, racional.
A sabedoria de viver implica a consciência das tensões
e conviver sabiamente com elas".

Anselmo Borges - Diário de Notícias

Luhmann e a redução da complexidade



Insisto em ver, a cada dia que passa, a confirmação de que as coisas são muito mais simples do que teimamos em achar delas.

Esta não era, obviamente, a ideia de "redução da complexidade" de Luhmann, mas acaba por resultar nisto.
Claro que a viagem pelo que é intrincado e complexo tem sempre que ser feita. Mas acaba, invariavelmente, no que é escandalosamente simples.
Ainda bem.


sábado, 7 de novembro de 2015

Então, há acordo ou não?


Eu também, obrigado!


Anticomunista, obrigada!
"Não estava à espera neste ponto da minha vida e neste ponto do século XXI, dobrado o século XX há uns aninhos, de ver aparecer a acusação. Anticomunismo. Parece que qualquer pessoa que não confie na bondade intrínseca de um acordo de governo com o Partido Comunista Português é anticomunista. Confesso ter nostalgia de muitas coisas, mas não desta. A de repensar o anticomunismo privado. Sou ou não anticomunista? E se for? A questão não é meramente ideológica, é existencial. É, por assim dizer, teológica. Cheguei à conclusão, depois de muito matutar, de que sou anticomunista. Acredito na economia de mercado, no capitalismo regulado e na iniciativa privada. Não acredito na coletivização da propriedade e da economia, na eliminação da competição nem na taxação intensiva do capital. O atual Partido Comunista não partilha estas minhas convicções. É coletivista, e foi sempre, ao contrário do que nos querem convencer, pragmático. O PCP foi sempre pragmático e anti-idealista por natureza. Nunca foi um partido romântico e só teve um panfleto literário romântico, os “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes. Tirando isto, o PCP é um bloco realista e de realismo social, no sentido que a palavra tinha no século XIX. Para o PCP, a marcha da História é marxista, o sentido da História é o da extinção do capitalismo (e não a sua regulação) e o da criação de uma nova consciência social, cívica e política nas mãos do proletariado e das suas vanguardas, organizadas em comités, ou no que lhes quiserem chamar, que controlem os meios de produção e os seus instrumentos financeiros. O PCP era isto. E é isto.
Por razões históricas, fui sempre anticomunista. E por razões ideológicas, também. Sou uma anticomunista que não tem vergonha de ser anticomunista e que tem e teve amigos comunistas (mais teve do que tem, porque tudo o que se relaciona com esta doutrina é, irremediavelmente, passado). Claro que podem ler nesta frase — “tenho amigos comunistas” — a mesma desconfiança que leem quando os homofóbicos dizem que têm amigos gays. E, já que falamos disso, o PCP sempre foi ferozmente antigay. Só se mudaram. Já lá iremos.
Sou anticomunista por razões históricas e profundamente temperamentais. Como boa individualista que sou, tenho horror a coletivismos impostos, e uma boa parte da minha adolescência e entrada na idade adulta foi passada a assistir e a resistir a isto. Posso mesmo dizer que, doutrinariamente, o que me definiu foi ser anticomunista. O fascismo tinha terminado no 25 de Abril. O fascismo foi outro regime totalitário que não percebeu a História. Comecemos pelo princípio.
Na Faculdade de Direito de Lisboa, os estudantes comunistas tinham o estranho hábito de decretar greves gerais sem consultarem todos os alunos nessa votação. Um aluno chegava à faculdade e diziam-lhe: hoje não entras, há greve. Há greve? Quem votou? Nós. Nós quem? Numa reunião secreta. Se foi secreta, como é que votámos? Nós votámos. Por causa desta discussão insana que despertava em mim instintos libertários e anarquistas, cheguei a furar uma ou duas greves com mais uns dementes como eu que não gostavam de ser paus-mandados. De um lado tínhamos os gorilas e do outro lado tínhamos as greves obrigatórias dos comunistas, que se arrogavam o monopólio da contestação. A UEC era formidável nisto, no monopólio da contestação, e quando o MRPP tentou furar este monopólio teve o apoio de boa parte dos estudantes, que estavam fartos da UEC e dos seus esbirros da MJT. A MJT era o braço armado dos comunistas e chegou a encerrar alunos dentro das aulas para bater nos maoistas à vontade depois de deixar sair os outros, os “cobardes”. Uma das vezes, escapuli-me por uma janela antes que a MJT entrasse armada de matracas e correntes de bicicleta. A MJT era o operariado da UEC para a porrada. O Movimento da Juventude Trabalhadora. Quando o COPCON entrou pela faculdade, dando cabo de tudo à passagem, esgueirei-me para Coimbra em “transferência secreta” (não podíamos fugir da revolução em curso) e implorei ao professor Rui Alarcão que me aceitasse na vetusta instituição. Em Coimbra, vigorava um comunismo soft. Os comunistas controlavam tudo muito civilizadamente. Sem pressões e mantendo o currículo académico. Restava o problema dos sovkhozes e dos kolkhozes. Sobrando em Direito professores comunistas que não abdicavam da coletivização dos bens e dos meios de produção, fomos obrigados a estudar marxismo coagidos pela frase: quem vier para as minhas provas escritas e orais defender a propriedade privada pode contar com um chumbo. Andei em guerra até ao fim do curso com um professor chamado Orlando de Carvalho, que jurou que me chumbaria em qualquer circunstância (deu-me 14 depois de eu ter encornado a sebenta toda, incluindo as cedilhas e os pontos e vírgulas e, salvo erro, a célebre nota 64). O Orlando era um comunista católico envergonhado. Era um coletivista desavergonhado e um misógino desembestado. Sem dinheiro para ir estudar para fora e fugir desta gente, achei que mais valia submeter-me e engolir a teoria, engolir os kolkhozes e os sovkhozes (que eram de outro professor comunista) e despachar-me daquilo. Foi o que fiz.
O Partido Socialista parecia-me, com Mário Soares e a doutrina do socialismo democrático, a única oposição responsável ao totalitarismo de Cunhal e dos militares que não queriam regressar aos quartéis. Estive na Fonte Luminosa, claro, e assisti ao lento e duríssimo processo da democratização de Portugal. Os comunistas eram o que tinham sido sempre, intratáveis e muito pragmáticos. Quem não era por eles era contra eles. Nunca entrevistei Cunhal até ao fim da vida dele porque sempre recusei mostrar-lhe a entrevista para ele editar à vontade. Não iria à Soeiro Pereira Gomes. Um dia, consegui negociar. Iria à Soeiro Pereira Gomes, mas editaríamos o texto juntos. No que eu não concordasse, não passaria a emenda. Cunhal aceitou, e a conversa resvalou para Shakespeare e o “Rei Lear”, que ele queria traduzir (acabar de traduzir). Não emendou nada da entrevista. Álvaro Cunhal, com perto de 80 anos, tinha adoçado e era uma figura intelectual respeitável que eu respeitava muito. Já não era o inimigo. Havia uma diferença entre conversarmos sobre Shakespeare — o “Rei Lear” é a minha peça favorita e era a dele, um tratado sobre o poder e a partilha do poder — e ter o doutor Cunhal a mandar na minha vida. Na verdade, anos antes, o doutor Cunhal quisera fazer de Portugal a jangada de pedra do estalinismo europeu. Uma espécie de little Bulgária. Do PCP tinham entretanto saído muitos dissidentes, enquistados com a ausência de democracia intrapartidária. Muitos desses dissidentes eram ou tinham sido comunistas ortodoxos, dos que aplaudiram de pé a entrada dos tanques do Pacto de Varsóvia em Praga. Eu estava, sempre estive e estarei com os dissidentes checos, com Václav Havel e com a democracia.
Em Portugal, o PCP sufocou todos os desvios à sua norma ou absorveu toda a contestação não emanada das suas instâncias representativas da massa. Da massa, sim, não da cultura de massas. Por um lado, o PCP tinha a tradição da clandestinidade e da coragem na clandestinidade e não admitia dissidências desta tradição. Julgava-se o único detentor da verdade contestatária (como se tinha julgado na Faculdade de Direito o único autor das greves estudantis). Por outro lado, a cultura de massas assente no individualismo era-lhe profundamente estranha. No meio literário português dominava largamente, não apenas através das instituições que controlava (da APE à SPA) como através dos compagnons de route sem filiação na extrema-esquerda radical e sem movimentos adequados à sua representação. O papão da direita e um esquerdismo social unia esta gente. Mais um certo aggiornamento chique que, pensavam erradamente, o PCP lhes conferia. A Festa do “Avante!” era um dos altares desta missa. O PCP pode ter muitos defeitos, mas nunca foi um partido estúpido, embora tenha sido apanhado desprevenido com a queda do Muro de Berlim. Quem não foi? O PCP olhou para Gorbachev primeiro com ódio e depois com incredulidade. O império soviético desmoronava-se. Os que acreditaram numa mudança de mentalidades dentro do PCP depressa foram expelidos ou condenados pela inquisição do partido. O PCP não mudara. O mundo mudara sem ele.
A atitude intelectual totalitária que caracteriza o PCP deixou como legado a anemia intelectual portuguesa. O neorrealismo deixou de ser dominante, mas não chegou a ser substituído por movimentos herdeiros da modernidade e do modernismo. Nem por um esboço de pós-modernismo importado de Paris. Esta é a nossa tradição. Os grandes intelectuais portugueses sentiram-se sempre exilados dentro do seu país, como Fernando Pessoa e Alexandre O’Neill, ou exilados reais, como Jorge de Sena. Ou como Eduardo Lourenço, que sofreu a ansiedade da separação. E havia os açorianos, uma casta especial de solipsistas, de Vitorino Nemésio a Natália Correia. São, todos, navegadores solitários. Pessoa teve a sorte de ter tido a geração de Orpheu a fazer-lhe companhia.
Basta ir a Londres e à Tate Modern, e visitar a exposição “The World Goes Pop”, para ver como Portugal não consta desta revolução. É a única ditadura ocidental dos anos 60 e 70 que não teve representantes e cultores pop. Não teve movimento pop. Não teve a anarquia pop. O protesto pop. A arte pop. O Brasil teve, a Argentina teve, o México teve, a Espanha teve, o Chile teve. Portugal não teve. Devemos isto ao PCP e à hegemonia do PCP num país pequeno e sem mercado de ideias, vinculado ao Estado e aos ditames e subsídios e cargos do Estado. A única escritora portuguesa que verdadeiramente escapou a esta hegemonia foi Agustina Bessa-Luís, e por isso ela permanece o ícone intelectual da direita (da nova direita) e por ela é exaltada e venerada. Agustina era o triunfo do individualismo desde que decidira escrever “A Sibila”. Agustina detestava os comunistas, não por serem comunistas mas por não serem livres. Tive com ela esta discussão e sei que as palavras de Agustina eram diferentes das palavras de todos os outros escritores, incluindo os liberais cosmopolitas que estavam próximos do PS, como Sophia de Mello Breyner ou David Mourão-Ferreira. Agustina não é, não era, nunca foi de esquerda. Nunca precisou de uma moral de esquerda, tal como esse lúcido libertário chamado Mário Cesariny de Vasconcelos.
Para a nomenclatura do PCP, ser de esquerda era mais benéfico do que ser comunista, quando se tratava de escritores. Controlando as instituições, o PCP resistia a dar prémios literários a José Saramago. Porquê? Dava-os aos outros e não a ele. Deu a José Cardoso Pires e a Paulo Castilho ou Mário Cláudio. Nunca deu a “Memorial do Convento” e a “O Ano da Morte de Ricardo Reis”. Porquê?
Assente-se que Álvaro Cunhal não gostava de Saramago. Nem pessoalmente nem literariamente. Cunhal era um esteta, um romancista falhado, e nem no estilo nem na receção crítica do estilo, relacionados com a pureza do neorrealismo, podia identificar-se com a retórica do escritor-estrela dos comunistas. Saramago era um maneirista inspirado pelo padre António Vieira e o Século de Ouro espanhol, e mais depressa apanhariam Cunhal a aplaudir a subversão existencialista de um Albert Camus do que um missionário jesuíta do século XVII. Saramago era um escolástico, e Cunhal abominava a escolástica. Ninguém reparou nisto. Foram mais rivais do que Eça e Camilo foram. E o PCP nunca gostou de estrelas.
E a direita? A direita portuguesa foi sempre preguiçosa e tendencialmente analfabeta. Quando digo a direita, digo o capital, os capitalistas portugueses. Simbolicamente gordos e anafados como nas caricaturas de Vilhena, nutriam pelos socialismos e pela social-democracia um ódio rancoroso e viviam no passado. Sá Carneiro foi tolerado por eles, não foi amado. Até nascer o novo capital, o das novas empresas e grupos e dos novos assalariados de luxo do novo capitalismo português, a direita era uma caricatura sem ideologia com uma ou duas figuras excecionais na indústria, como António Champalimaud. Ficara presa à nostalgia do antigo regime, sem particular engrandecimento da memória imperial, às vezes por ignorância, e a uma postura cívica sem mestre intelectual. Os raros ativistas letrados e revolucionários desta direita sentiam-se órfãos. Como dizia um deles, a direita portuguesa era do género: vão andando que depois vou lá ter. Os outros converteram-se e decidiram trabalhar com quem estivesse no poder. Nascia gente na banca e nas empresas, produto da democracia e da pequena burguesia dos partidos, que não se revia na direita mumificada. Esta ficou à espera de D. Sebastião e chegou a ver nos traços endurecidos de Aníbal Cavaco Silva, um membro do povo que tinha tudo para lhes ser estranho, a face do salvador. Como vira em Salazar.
Neste ambiente, PCP e PS dominaram tudo. Dominaram a literatura, dominaram a música, o teatro, o cinema, a fotografia, as artes, o jornalismo, a crítica, tudo. Foi preciso esperar pela agonia do século XX para esta dominação se atenuar. A revolução tecnológica capitalista pôs-lhe cobro de vez.
No século XXI, amigos meus que tinham sido comunistas desde crianças, como Miguel Portas, confessavam a sua desilusão com o comunismo e a crença numa nova esquerda. O que Miguel Portas fez, e só fez, foi tentar experiências de esquerda que escapassem à ditadura intelectual comunista. Revistas, jornais, intervenções, plataformas e, finalmente, a criação do Bloco de Esquerda. Pressagiei que as alianças entre estes esquerdistas ilustrados e estrangeirados e os radicais da extrema-esquerda e de partidos como a UDP não seria um casamento feliz. Não foi. As tensões dentro do Bloco desaguaram nas dissidências do Bloco. Assisti a isto mais ou menos por dentro e discuti isto muitas vezes. O Bloco era importante para as causas ditas fraturantes, porque o PCP era um partido ferozmente conservador e antirrevolucionário nos costumes. Tendo criado a sua moral, a sua igreja e a sua liturgia, o PCP nunca transigia. Era nisso simétrico da direita reacionária. A aliança tática entre PS e Bloco permitiu “desbloquear” certa legislação que andava pendurada há anos na boa consciência de católicos e de direitistas.
O contributo de forças como o PCP e o Bloco para a democracia portuguesa é importante, apesar destes desníveis. Mas só é importante por ter sido enquadrado e travado pelo socialismo democrático dos socialistas e a social-democracia dos sociais-democratas.
Tal como o PSD, o PS tem sofrido um desgaste e uma desvalorização intelectual preocupantes. O PS de homens como António Arnaut ou Mário Soares já não existe. Nem sequer existe o PS de António Guterres. O PS de hoje divide-se entre os socratistas, com tudo o que de nefasto essa denominação representa, os oportunistas e os apoiantes de qualquer chefe que conduza ao poder um grupo de gente que sabe que o partido precisa de lançar mão do aparelho de Estado para sobreviver politicamente. Junte-se ao caldo meia dúzia de jovens idealistas sem maturidade. À direita, o “ideologismo” (chamar-lhe ideologia seria um manifesto exagero) pseudoneoliberal de Passos Coelho e dos videirinhos amestrados, de que Relvas é a caricatura apurada, forneceu a uma gente desavinda pela História o último pretexto para a união.
Uma união que nunca se consumaria. O PS não é coletivista. Não foi. Não será. É um velho partido de católicos e de maçons que se sente ameaçado e está a jogar póquer fechado com altas paradas. E a direita de Passos perdeu esta jogada, num espanto emudecido que não provocou um texto, um pretexto, um protesto. A direita portuguesa continua a dizer: vai andando que já lá vou ter. Deixou a contestação aos jornalistas e articulistas que julga protetores do statu quo. Esta nova aliança das esquerdas descambará em novas direitas, seguramente.
A destruição do centro, à esquerda, e a insensatez de quem nos tem governado, à direita, tornaram o combate ideológico um combate tribal, como o futebol. Um combate onde não vingam a inteligência e a ilustração. Muito menos a memória. Não é preciso invocar a Europa e a sua putativa falência, ou o diktat de Bruxelas, para concluir que o PS abriu a boceta de Pandora. Convencidos de que os comunistas mudaram, os socialistas serão, como recusaram historicamente ser, chantageados por um partido que joga aqui a sua derradeira cartada da História. O comunismo acabou em toda a parte, mas não aqui, não aqui. E não acabou aqui porque a desigualdade e a pobreza que a direita exalta em Portugal como regra de vida comum, como modo operativo de um capitalismo egoísta, autodidata e desmembrado, são a bandeira do PCP. São o seu eleitorado. Juntem-lhe os funcionários públicos num país envelhecido onde todos dependem do Estado, da banca aos artistas, e temos a explicação do anacronismo chamado Partido Comunista Português. Tal como o capital, o trabalho sabe defender-se.
O Partido Socialista meteu-se nesta querela sem ter trunfos na manga. Perdeu as eleições, e isso faz toda a diferença na potestade. O PS não tem sobre o PCP e o BE um direito potestativo. São eles que o têm, e exigirão a submissão. Não sei como sairá disto. Sei que das duas uma. Ou António Costa é um génio político e submete os parceiros à sua imponderável vontade ou caminhamos para a mais grave crise de regime depois do 25 de Abril. E, talvez, para o fim do regime saído do 25 de Abril.
Quanto a mim, sou o que sempre fui. Portuguesa e anticomunista, obrigada. Nisso, não mudei".

Clara Ferreira Alves - Expresso