sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O verbo e a alma (Savimbi)


O verbo e a vontade


Sad but true (os relatos e o Benfica deste ano)



"O futebol tem o dobro da piada quando é visto através da rádio. Os profissionais do relato transformam um jogo de futebol numa tempestade de raios e coriscos. No relato, os futebolistas calçam uns patins homéricos e deslizam por ali como deuses gregos, como criaturas aladas que só precisam de três segundos para irem de uma baliza à outra, e há sempre adrenalina mesmo quando a bola está num meinho entediante, a nossa equipa está sempre na iminência de marcar golo mesmo quando a bola está no nosso guarda-redes. Não por acaso, a minha reacção ao meu primeiro jogo no estádio foi um lapidar "pai, eles correm devagarinho" . Habituado a ver o Benfica pelos relatos da Renascença, achei estranha a lentidão do jogo ali no estádio. Afinal, não eram deuses com asas, só gajos com chuteiras. Aliás, confesso que nunca me reconciliei com a velocidade normal do jogo. Sempre que vou ao estádio fico com a sensação de que estou a ver o slow motion de uma coisa que devia estar em fast forward.  
Invoco os santos dias da rádio para ter os instrumentos certos para descrever o entediante Benfica deste ano. É que o Benfas 13/14 é um bocejo até na rádio. Nem os relatos conseguem dar alguma beleza a esta equipa. Os homens que relataram para a Renascença o jogo de quarta-feira não escondiam o tédio. E a modorra é mais do que justificada, diga-se. Acorrentada ao trauma da época passada, presa a um treinador que não pode respeitar, a equipa não corre, não pensa, não arrisca.  O Benfica 13/14 é tão entusiasmante como quatro velhinhas a jogar canasta. Sim, o último Benfica de Jesus é um fenómeno geriátrico.
O contraste com o passado recente é doloroso. O Benfica de Jesus fazia lembrar o Isaías, isto é, fazia dez remates em dez minutos, era um frenesim de oportunidades e golos, uma descarga neptuniana de electricidade. Finalmente tínhamos uma equipa que jogava à velocidade dos relatos da rádio. Durante quadro anos, o ritmo do relato e o ritmo do jogo estiveram irmanados, os relatadores não tinham de inventar nada, só tinham de descrever. Mas aquele Maio luciférico apagou a electricidade, que não voltará tão cedo. Nem o mais genial dos relatadores pode dar magia a esta equipa".
 
Henrique Raposo - Expresso online



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sócrates: o texto (Daniel Oliveira)





Já se sabe que acho Daniel Oliveira um dos "comentadores" (seja lá o que isso for) que melhor pensa em Portugal.
Discordo dele muitas vezes, mas nem por isso deixo de apreciar como pensa bem.

E um texto demonstra, quase sempre, como pensa - bem ou menos bem - quem o escreve. Não é (como tantas vezes tentam vender) um problema de estilo, de vírgulas, de acentos, ou de gramática. Não. Um bom texto tem um fio, uma textura indecifrável, e (porque não dizê-lo?) uma matemática oculta, que deixa assinada - a traço mais ou menos grosso - a inteligência de quem o escreveu.

O mais recente texto de Daniel Oliveira é, para mim, a prova de tudo isto (ver o link aqui). E - insisto - não concordo com grande parte do que lá vem dito. Mas é um texto - e que texto.

Se quiserem ver a diferença - e porque o assunto é o mesmo -, façam o favor de dar uma saltada aqui (ver link).

Repito: a diferença não está no estilo, na técnica (que, no último caso, é rupestre), ou na gramática. Está mesmo no contraste entre a inteligência do verbo e a pura acefalia.
É pena, mas é mesmo assim.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Táctica e estratégia (a vida imita o xadrez)

 
 

Durante anos - e não é exagero - procurei uma síntese simples que expressasse bem a diferença entre táctica e estratégia.
Trata-se de algo que todos intuímos, mas cuja subtileza se presta pouco ao carácter (forçosamente) estático dos conceitos.
Há um par de meses, descobri em "A vida imita o xadrez" (de Kasparov) a imagem perfeita daquela diferença: o momento da táctica é aquele em que o jogador é forçado a mexer uma peça (sendo que, no xadrez, não é possível "passar"); a estratégia está presente mesmo quando não há peça alguma para mover.
Afinal, a vida imita mesmo o xadrez.
 


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O empreendedorismo e a farsa

Nos últimos tempos tenho-me insurgido muitas vezes contra a conversa fiada do "empreendedorismo". Mas não tenho tido arte nem engenho (e, algumas vezes, paciência) para tornar convincente o que pretendo dizer.
Tenho percebido que passo, quase invariavelmente, por inimigo dos que ousam "inovar" e "empreender".
Nao é nada disso, claro.
 
Do que sou (e serei sempre) obstinadamente antagonista é da retórica do "empreendedorismo".
 
O empreendedorismo não é dizer balelas e truísmos com ar convincente. É fazer.
O empreendedorismo não pode ser convertido numa desculpa para diminuir o que se gasta com a instrução de uma população ainda hoje largamente iletrada. E que, agora, parece convencida de que vai "empreender", mesmo que saiba pouco ou nada (e achamos sempre que sabemos muito) sobre quase tudo.
 
O empreendedorismo jamais pode ser uma retórica porque não é passível de ser ensinado ou transmitido num toque de Midas. É uma pena mas é verdade: ou se é empreendedor ou nao se é. E não há mal algum em não ser, diga-se.
 
Se gosto de empreendedores? Em geral, sim. Bastante. Porque os admiro.
Só que há poucos. A esmagadora maioria dos que se apresentam como tal (e estou a pensar no Portugal dos últimos anos, onde eles pululam) são apenas desinteressantes e cansativos, quase sempre navegando na mais olímpica ignorância e estupidez.
 
O "empreendedorismo" que tenho visto a ser vendido em pacotes (inclusivamente por algumas figuras proeminentes no país) é apenas um número reles de pacotilha e que normalmente redunda numa desculpa primária para não fazer nada. Em suma: uma prosápia requentada tão patética quanto, por vezes, imoral (por amesquinhar os outros, tomados sempre por menos espertos).
 
Vou tentar ilustrar com um exemplo (que os "empreendedores" a que me acabei de referir jamais compreenderão porque acharão todos que estão do lado certo da equação):
 
 
 
 
 
Um fala do que já fez. O outro fala do que os outros devem fazer.
Um está preocupado com ele. O outro está preocupado sobretudo com o vizinho.
Um fala 7 minutos. O outro tem direito ao dobro do tempo.
Um vende bens. O outro vende lugares comuns (copiados de almanaques baratos) com um embrulho modernaço.
Um tem nos olhos estampada a inteligência. O outro fere os olhos por pretensiosamente achar que é mais inteligente que os demais.
Um vende uma ideia. O outro teve um cargo por iniciativa governamental.
Um rechaça numa penada o comentario hostil e invejoso. O outro tem a turba com ele, embevecida pela arte do espertalhão que demonstra que, afinal, tudo é simples.
(Sim, porque segundo esta "doutrina", é sempre tudo muito simples. Os outros é que não pensam, é que não sabem, é que nao vêem...)
 
Ah, e tal... Mas essa conversa é só porque um é um "menino da linha" e o outro podia ter nascido no Linhó.
Não! Trata-se do que eles dizem e tão-só disso mesmo: experimentem tapar a imagem dos vídeos e concluirão que é disso que se trata. Aliás, nunca preferi o que é benzoca.
 
Convém, aliás, notar que não há aqui culpa de ninguém: tanto um como o outro estão a fazer pela vida, coisa que, essa sim, respeito (porque há também os "empreendedores" de sofá, que são ainda piores). Só que um faz por si; o outro faz a vida à custa do desânimo dos outros: vende ideias (pueris) - coisa a que tem direito - e há quem, desesperado, as compre.
 
Enfim.
É uma chatice ser útil saber ler e escrever (até porque fica caro para os pais e para o Estado).
É uma chatice dar jeito estudar e aprender a fazer, competentemente, qualquer coisa (o que agora se confunde com "perda de tempo" porque, afinal, "não é preciso nem vale a pena").
E é muito aborrecido ter que parar, às vezes, para pensar com tino nas coisas, em vez de só se gastar tempo a pretender fazer com que outrem pense que já pensámos em tudo.
 
Por isso, o que está na moda é brincar aos empresários.
Ou, pelo menos, dizer que se conhecem alguns, com quem passámos 5 inolvidáveis minutos.
E depois bullshitar outra vez. De preferência, sem parar. Até os outros serem vencidos pelo cansaço.
 
Resumo-me à minha insignificância: não sou um empreendedor. Nem dos bons (o que tenho pena), nem dos maus (o que é um alívio).
Nao crio - isso de certeza - "propostas de valor", ou "sinergias". Nem vejo "para além da curva".
Mas se um dia esse talento - o de verdadeiramente empreender -, por uma coincidência feliz, me calhar em sorte, não vou perder tempo a maçar os outros, lembrando-lhes o quão pouco "empreendem". É que terei pouco tempo senão para, simplesmente, fazer.
 
 
PS - Ricardo Araújo Pereira criticou os personagens dos dois vídeos. Com a inteligência habitual, zurziu o homem que "bate punho". Mas criticou também o outro. Mal. Porque o fez somente com o argumento de que o Martim se pôde financiar com os pais, enquanto a generalidade das pessoas o não pode fazer. E daí? Sugerirá RAP que quem tem meios deve cruzar os braços?