domingo, 24 de abril de 2016

Algumas questões básicas de exegese da alma

1) Quantas vezes toleraste um "amigo" que sabes que não é teu amigo?
2) Quantas vezes te apropriaste das ideias dos outros, sabendo perfeitamente que não são tuas?
3) Quantas vezes fizeste por esquecer que sabes pouco ou quase nada?

4) Quantas vezes deixaste de ouvir o outro?
5) Quantas vezes trataste mal os outros só por saberes que não podem tocar-te?
6) Quantas vezes te impacientaste para explicar o pouco que sabes?
7) Quantas vezes trocaste o prazer rápido pela felicidade da conquista que conta?
8) Quantas vezes esqueceste que estas perguntas também são para ti?

As respostas (há muitas mais perguntas...) fazem parte de uma religião que é a que sigo. E pouco me importa que nome lhe chamam: é universal na razão.

(Do meu facebook)


Há que albardar o burro à vontade do dono


O meu avô materno, de longe (e bem longe) a pessoa mais inteligente e sagaz que conheci até hoje, dizia sempre, divertido, que é preciso "albardar o burro à vontade do dono" (o momento que reservava para o "statement" em que proclamava o instante em que a albarda era "atirada ao ar" era uma espécie de celebração gloriosa).
"Albardar o burro à vontade do dono" é um exercício de humildade fantástico que implica conhecer o outro e conhecermo-nos a nós. Sem concessão nos princípios, mas com a flexibilidade das regras.
De entre as várias lições de vida que Macau me trouxe (e que tive o privilégio de ir tentando aprender porque era delas que vinha à procura), o primeiro ano foi a confirmação acabada de que, de facto, os burros devem ser albardados à sua vontade, coisa que se torna mais fácil quando estão cegos pela imagem que, para seu conforto, foram formando de si - sempre preguiçando.
Depois, alguém faça o favor de explicar a esta gente que, feliz ou infelizmente, o Direito não é matemática - e que se fosse, seria complexo, mas muito mais simples.
Acresce que de verdadeira matemática sabemos (nós, juristas) pouco ou nada, o que piora tudo (a menos que nos lembremos disso a cada passo - outra vez com humildade).

Não sou capaz desta explicação, apesar de ela ser evidente.
Dá-me demasiado trabalho.
E estou, também eu, a ficar velho. E com menos burros para albardar - feliz ou infelizmente.

PS - Ah... e só para esclarecer: nunca tive "dono" (também graças ao meu avô). Mas essa é das peças fundamentais para "albardar o burro".

sábado, 9 de abril de 2016

João Soares: contra ventos e marés - não por ele, mas pelo que importa

A semana terminou com júbilo dos "media" e nas redes sociais: João Soares disse o que não devia e, por isso, foi defenestrado do governo.
Antes de mais, quero dizer que não conheço João Soares, não aprecio o estilo, e deploro a sua competência política. Nunca votei nele e dificilmente o faria - é um direito meu.
Assente - e bem assente - o que precede, eis o que se me oferece dizer sobre a troca de galhardetes ente João Soares, Vasco Pulido Valente e Augusto Seabra (é de uma verdadeira troca de galhardetes de que se trata: Seabra e VPV atacaram primeiro, Soares respondeu depois).
Vivemos hoje num mundo - em Portugal, copiando o que vemos noutros sítios - em que há uma sede de sangue implacável sempre que este jorra de feridas pequenas.
As grandes feridas já nos geram pasmo. E cuidados.

João Soares, num post facebookiano das 6:22 da manhã, prometeu uns tabefes a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente.
Pela hora, é provável que tenha acordado mal disposto.
Esta promessa de uns tabefes (mera figura de estilo, como é óbvio) não é, no meu entender, a pior parte. A parte mais lastimável é aquela em que Soares, dando uma volta com pouco estilo, chama alcoólicos aos outros contendores.
Problemas evidentes disto: Soares era ministro e não pode falar ao mundo como um comum mortal, porque há uma espécie de código, ainda perene, que instila a convicção na populaça de que as figuras do estado têm qualidades semi-divinas. Duvida-se, aliás, se continuarão a usar a casa de banho.
Até aqui, tudo bem.
Mas sejamos sérios: leia-se a crónica de VPV (e eu sou suspeito porque gosto de muitas delas) e encontram-se lá criticas ao carácter e qualidades pessoais de Soares.
Não me interessa agora se bem ou se mal: o que é facto é que lá estão. E facto é também que Soares não deve ter gostado (e está no seu direito, porque ter-se tornado ministro não o obriga a engolir tudo - especialmente, o que vai para além da crítica ao seu desempenho governativo).

Provavelmente agastado e furioso com coisas que acabara de ler, Soares, eterno em tiros nos pés (foi assim que conseguiu perder a CML para Santana Lopes), dirigiu-se ao computador e escrevinhou o que foi capaz.
Reconheça-se que é difícil açoitar VPV por escrito (Miguel Sousa Tavares, por exemplo, que o diga). Vai daí, Soares, num estilo pobre, foi ao que tinha mais à mão: declarou apenas que distribuiria uns tabefes aos cronistas, mal tivesse oportunidade.
Oferecer retoricamente uns tabefes deve ser a arma argumentativa mais fraca nos dias que correm. É apenas o último recurso de quem perdeu a paciência e não tem arte para mais.
Mas é só isso.
É um pequeno episódio - mesmo muito pequeno - que mostra bem ao que chegámos.
Toda a gente da direita veio pedir a cabeça de Soares, num moralismo deprimente. Toda a gente de esquerda enterrou a cabeça na areia, sem argumentar. Para mais, era um ministro pouco importante: o da cultura.
O que quero dizer com isto é que, hoje em dia, como tantas vezes tento lembrar, já não há opinião não sectária (ou que pense pela sua cabeça, sem ser em manada) e que os media ganharam uma preponderância grotesca na determinação do que se pensa, muitas vezes - quase sempre - defendendo "ad nauseam" o "politicamente correcto".

Quem vir serviços noticiosos e espaços de opinião na TV (eu, para expiar os meus pecados, vejo), chega facilmente à conclusão da indigência aflitiva dos "jornalistas".
Sabem zero de Direito (isso posso garantir), embora opinem sobre casos judiciais e outros fenómenos jurídicos. Sabem zero (ou menos do que isso) de economia, embora de há uns anos para cá não falem de outra coisa. E sabem zero de cultura (de que também sei pouco): para eles, o mundo cultural é uma espécie de feira de "eventos".

Apanhado facilmente pelos "media" - que se indignaram com uma suposta "ameaça física" de João Soares a dois membros da "comunicação social" (ainda me hão-de explicar esta, porque acho que VPV insultaria quem lhe dissesse que é da "comunicação social"...) - o ministro estava perdido, sobretudo graças à sua intrínseca inabilidade política.
Em vez de ter ficado calado (para não dar lume à coisa), Soares veio perguntar - por SMS dirigido aos jornais (!) - se "tinha assustado alguém" (justamente para que se percebesse que só tinha sido uma questão de estilo: não queria açoitar ninguém). O que até tem a sua piada, mas é politicamente asnático.
Com isto fez crescer a bolha de criticas atávicas dos comentadores das televisões: veja-se, por exemplo, o eterno Bernardo Serrão (sim, aquele que perguntou, em directo, a Teresa Caeiro, na tomada de posse do anterior governo, porque tinha escolhido o vestido que levava à cerimónia...) que, tendo dificuldades em redigir o próprio nome, se lançou numa crítica lancinante ao insuportável comportamento do ministro.
Resumindo: no que começou por ser um episódio sem nada de especial, Soares conseguiu amplificá-lo e enredar-se numa teia que lhe fugiu completamente ao controlo.
Por pouco menos que nada!

Há primeiros-ministros que podem ter roubado milhões (não sabemos) mas que têm uma legião obstinada a defendê-los.
A João Soares ninguém defendeu.
Quase que apetece dizer: antes "gamar" do que "ameaçar".
Acho que também valia perguntar: está provado que foi Soares quem escreveu na sua conta de facebook? Não é que interesse, mas é só para se perceber a desigualdade com que os assuntos são tratados - nos media e nas redes sociais.

Costa, sempre politicamente magistral (e não interessa se se gosta ou não dele: enquanto o menosprezarem, irá de sucesso em sucesso, a menos que a Europa o trame), aproveitou logo para pôr borda fora um ministro que só escolhera por causa dos equilíbrios internos do PS. E não satisfeito, ainda disse que Soares "teria sido um óptimo ministro da cultura".
Mas se teria sido "tão bom" ou "óptimo" (o que, aliás, toda a gente duvida, inclusivamente o próprio Costa), porque aceitou o PM a demissão (que o próprio já antes induzira, através de uma curta declaração à imprensa)?
Porque as redes sociais - que o jornalistas muitas vezes copiam - e os serviços de imprensa já tinham feito todo o trabalho.
Para gáudio dos internautas. Para gáudio dos "jornalistas". Para gáudio de uma certa direita (que acha uma vitória colossal ter caído o primeiro membro do governo da geringonça). E para gáudio de uma certa esquerda (que se acha moralmente superior).

O triste disto é que o episódio mostra uma série de verdades insuportáveis:
1) em vez de discutirmos o que interessa, passamos a vida a rebolar de gozo com coisas minimais: as frases infelizes de Soares não são razão para que alguém "rasgue as vestes";
2) na comunicação social, atacam-se sem piedade pequenas "boutades", mas tratam-se respeitosamente (e com medo - porque não dizê-lo?) aqueles que são suspeitos de terem sido artífices de malfeitorias graves;
3) ser ministro passou a ser aquilo mesmo que VPV dizia, nas suas antigas crónicas, ser "perigoso" ("o mundo está perigoso"...).
4) a "opinião pública" não perdoa frases infelizes, mas elege alegremente Isaltinos, Valentins Loureiros, Macários, Judas, Avelinos, etc. Temos o que merecemos.

Não é que goste de João Soares. De facto, nunca gostei.
Mas agora corro o risco de gostar um bocadinho, o que me aborrece.
Tenham dó.


quinta-feira, 7 de abril de 2016

O DOUTOR BOLA



Rui Santos é o protótipo dos males que dilaceram este país.
É simples de evidenciar.

Não se compreende como é que um imbecil que mal sabe a regra do fora de jogo (como demonstrou no outro dia, quando acusou um jogador de estar em posição irregular depois de ter recebido um passe de um colega... para trás) dispõe, há uma década, de um programa semanal de opinião "futebolística" no qual disserta sozinho, sem contraditório.
O mau gosto na apresentação - e no aspecto - nem carecem de ser salientados: parece um playboy rural de metro e meio. Mas isso é, de facto, o menos.
O topete deste cretino ao dizer que é independente e sem clube (como se ter clube tivesse algum mal, conquanto esclarecidos todos para que possam julgar da sua opinião) colide com uma entrevista de há anos em que se assumiu como sportinguista. Mas não acho que seja verdade: este quadrúpede não é sportinguista - é brunildo-jesuítico, como fica à vista nos seus "comentários" recentes, sempre feitos a coberto de uma suposta "independência".
Crer, nem que seja por um segundo, no que reivindica para si Rui Santos - uma pretensa independência e objectividade - significa enterrar a cabeça na areia.
Rui Santos tenta falar bem e com palavras caras, num exercício de mediocridade atroz. Sempre respeitei quem tem uma linguagem simples e mesmo eivada de incorrecções. Desde que as ideias tenham um mínimo de honestidade, claro.
Não é esse o caso de Rui Santos, que pretende ser uma espécie de Dr. Bola, vomitando palavras cujo significado desconhece: alguém lhe explique, por favor, que ao contrário do que pretende dizer quando fala em "pressão supletiva" (como já várias vezes fez, sem que nenhum dos ignorantes que por vezes o circundam tenha sabido corrigi-lo), o que quer falar é em pressão suplementar (ou adicional).

Supletiva - ou seja, que nem precisa de ser mencionada - é a burrice deste prócere do futebol que temos.
Costuma criticar quem lhe convém - por vezes de forma infame - porque sabe que não tem contraditório.
Mas é um palerma sem verdadeira culpa. A culpa está em quem lhe dá o palco para se travestir de Dr. Bola.
Já chega.
É um insulto exibir em horário nobre os piores defeitos de que, por vezes, padecemos. Tudo porque, neste homem, esses defeitos são perenes.

E, note-se, não é uma questão de se ser do Benfica, do Porto ou do Sporting. É uma questão de decência.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

SOBRE AS VIRTUDES DO AFASTAMENTO DO PCP EM RELAÇÃO AO ESTALINISMO


Num tópico facebookiano de Bruno Abreu em que se reflectia sobre a não condenação do PCP em relação aos desmandos da "justiça" angolana, a conversa acabou por fluir para o estalinismo do PCP.
Deixei isto lá escrito (que agora editei), perante a defesa da tese segundo a qual o PCP se afastou, há muito, do estalinismo:

"Claro que o afastamento (mitigado) do PCP em relação ao Estalinismo tinha que acontecer. E aconteceu quando Kruschev (que fora perseguido por Beria) iniciou a "desestalinização".
O PCP e, em particular, Cunhal sempre fizeram da "disciplina" um dos esteios essenciais do seu "modus operandi": por uma questão de estilo, mas também de sobrevivência.
Ora, se os ventos que chegavam da URSS de Kruschev (russo, mas criado na Ucrânia) eram anti-Estaline (georgiano), claro que a "disciplina" obrigava a um certo afastamento do estalinismo. Tudo como sempre, portanto: a adoração do Diktat - o novo diktat.

É esta a verdadeira explicação para a existência de edições do "Avante" que evidenciam o afastamento em relação a Estaline. Mas essas edições são contemporâneas ou posteriores ao período em que Kruschev imperou (e ao V Congresso do PCP).
Não foi muito difícil ao PCP, quando o quis fazer, demarcar-se, mais ou menos vincadamente, do estalinismo. Tudo porque o estalinismo (e a evidência dos seus crimes atrozes, sobretudo na própria URSS) não constituía nenhuma "ideologia" (nem nunca Estaline perdeu tempo com devaneios "ideológicos"). O estalinismo era uma mera doutrina de acção: um modo de exercer o poder.
O estalinismo serve tanto a um totalitarismo de esquerda, como a um totalitarismo de direita. Conclusão: o PCP não teve que fazer uma inflexão verdadeiramente ideológica de cada vez que lhe interessou demarcar-se de Estaline. Era relativamente fácil. Isso já não é assim com Lenine; por isso é que nunca sucedeu".
Da próxima vez que falar sobre estalinismo, contarei aqui a única experiência estalinista a que assisti "in loco".
O estalinismo ainda existe em Portugal - até em pequenos redutos (amargurados) de poder(zito). Na minha experiência, envolveu o "julgamento" (moral, obviamente, como o estalinismo recomenda) de uma mulher grávida, à frente de "todos", com convite expresso à sua condenação generalizada (tinha-se "portado mal"). Com a receita completa: uma prédica inicial de auto-elogio (da "envergadura moral") do líder(zeco), seguida da palavra a circular pelos sequazes.

E, sim, foi em Portugal. Numa instituição pública. Em 2010.
Um mimo. Oxalá arqueológico. Mas inesquecível.

domingo, 3 de abril de 2016

Brandy (Herberto Hélder)


Levanto à vista


Ando há anos a dizer que há um risco sério de se gostar tanto da voz de Fernando Alves como da poesia de Herberto.

10 RAZÕES PARA APOIAR O ACORDO ORTOGRÁFICO

Como acho que os argumentos de quem defende o "acordo" são válidos (tenho esta mania de me esforçar por dar razão aos que sustentam o que não gosto...), resolvi presentear-me a mim próprio com uma lista de "razões" para apoiar esta empreitada.
Pode ser que resulte em mim. E que me convença, para além de ser um bom exercício de disciplina matinal.


1) O acordo é "SEXY". Há sempre alguma coisa de "sexy" (e de modernaço) na "mudança" e nas intenções semi-universalistas. Tem até uns toques de "esquerda progressista" e "politicamente correcta" (gosto, às vezes, da primeira; detesto sempre a segunda).
Volto daqui a nada: tenho que ir lavar novamente os dentes a seguir a enunciar esta primeira "razão". Estou com um sabor estranho na boca.

2) É boa ideia pôr todos os que falam a língua portuguesa a escrevê-la da mesma maneira, nem que seja à maneira "deles". 
O facto de Angola e Brasil não implementarem o acordo só nos deve dar mais força para o fazermos. Já.
Pena que isso não nos renda uns cobres extra, apesar da subserviência face à superioridade moral destes dois "países-irmãos": "irmãos", dizemos nós; "parolos" (quando falam de nós), dizem eles. Há, aliás, a vantagem de "parolo" manter a mesma grafia.
O piche angolano é, por exemplo, um bom motivo para que haja um tratamento de excepção na implementação do convénio; a exiguidade dos nossos recursos faz-nos merecer esta auto-punição imediata. O "alcatrão e penas" pode ficar para depois.

3) O "acordo" é um bocado do tipo "era boa ideia ter deixado o Eusébio, há umas décadas atrás, ir jogar para o estrangeiro". Era justo e era bonito. Sucede que, por causa do Benfica, tinha sido um barrete.
Era mais ou menos como mandar a Amália, com umas décadas de avanço, ir morar para Paris, para um apartamento do... Carlos Santos Silva.
Conclusão: apagar esta "razão".

4) O "acordo" é "chique", por ter uns laivos de multiculturalismo. Por motivos óbvios, apagar também esta "razão". E ir rapidamente trabalhar.
5) Como com o acordo ortográfico ninguém se vai entender, há uma panóplia considerável de erros ortográficos que passam a ser desculpáveis: um luxo, em momentos de crise, para que se poupe em livros!
6) Como a minha filha persiste, por enquanto (embora só com 4 anos), em não aprender cantonês e mandarim, nada como servir-lhe duas grafias diferentes desde tão tenra idade (em Macau não vigora o acordo e noutros países parece que será implementado no dia de "São Nunca" à tarde...). Pode ser que resulte. Pelo menos, é um começo...
7) Como não tem que imperar a racionalidade em tudo o que se escolhe, sou do Benfica. Porque não "ser do acordo ortográfico" também? Nahhh.. esta não cola...
8) Pôr os professores a fazerem exames de português não me parece mal de todo. E o Mário Nogueira também.
9) "A Bola" e o "Record" foram os primeiros a adoptar as regras do acordo. É um bom indício.
10) Segundo estudos recentes, consta que a má disposição prejudica a saúde e as ligações neuronais.

(O Gaitán tem o número 10; mas esta razão não pode contar porque seria a 11ª).
Em suma: boa sorte!