sábado, 27 de outubro de 2012

As eleições no Benfica

 
 
 
Luis Filipe Vieira (LFV) venceu ontem, sem surpresa, as eleições para a presidência do meu Benfica.
O resultado eleitoral (83%) demonstra, quanto a mim, a ausência de alternativa credível ao status quo: Rui Rangel não foi capaz de se mostrar como uma saída viável para o panorama actual, que é pouco menos do que desolador.
 
Desolador porquê?
Porque não há alma benfiquista neste mundo que se reveja neste presidente.
 
Um presidente que cauciona erros palmares na construção da equipa principal de futebol todos os anos (não me refiro à necessidade de vender, mas à planificação elementar do que se compra e do que se vende);
Um presidente que não sabe proferir um discurso aos sócios, nem nos momentos (escassos) das vitórias;
Um presidente que não cumpre as exigências estatutárias para ser candidato às eleições (porque é óbvio que LFV não é sócio há 25 anos ininterruptos do SLB - ver link);
Um presidente que, em 2009 (nas eleições anteriores), incumpriu flagrantemente os estatutos quando antecipou as eleições, após se demitir, numa manobra ilegal e digna de uma república das bananas;
Um presidente que é sócio do FCP e do SCP;
Um presidente que, é preciso admiti-lo, leva lições sucessivas de Pinto da Costa, porque o tenta imitar no estilo, quando essa seria a última coisa a fazer.
 
Enfim.
 
Claro, porém, que Vieira fez obra.
Fez o estádio. Fez o centro de estágio. Protegeu as modalidades. Fez (mal ou bem) a Benfica TV. Incrementou a marca Benfica.
E, sobretudo, levantou o clube do abismo aterrador do que foram os anos de Damásio e Vale e Azevedo.
Por isso tem o reconhecimento que lhe vale 83% numas eleições em que (de novo) correu sozinho.
 
Reconheço isto.
Como reconheço, serenamente, o que aí vem nos próximos quatro anos do mandato de LFV que agora se inicia: mais do mesmo.
 
Isto é:
 
- O Benfica ganhará, quando muito, um campeonato nos próximos quatro;
- O Benfica continuará a ter 90 jogadores sob contrato (uns 70, se excluirmos os jogadores que transitam das camadas jovens);
- O Benfica continuará a ter uma estratégia errática no que toca ao poder instituído no futebol profissional e na arbitragem (com a FPF à cabeça);
- O Benfica verá o FCP continuar a sua hegemonia dos últimos 25 anos.
 
Estou certo disto.
Oxalá me engane.
 
HDF
(este post está excepcionalmente assinado com o meu acrónimo, uma vez que o 2.º signatário deste blogue integrou a comissão de honra da candidatura de LFV).
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A ferros

 
 
Chega.
Chega dos dislates de Ferreira Leite. Chega dos seus comentários "económicos". Basta!
 
Tenho o maior dos respeitos por esta estimável senhora, cuja idoneidade e seriedade não me atrevo a questionar: tanto é mais do que o bastante para a respeitar e estimar, sobretudo nos dias que correm.
 
Repito: não duvido da sua honestidade, dos seus princípios e do seu carácter. Genuinamente.
Mas é tudo.
 
Do ponto de vista político, principalmente hoje, reconheço-lhe zero.
 
Desde que abandonou a liderança do PSD, Manuela Ferreira Leite nunca logrou abrir a boca para dizer alguma coisa que aproveitasse ao país.
Pensei, a princípio, que o fenómeno se devesse a uma rezinguice (até certo ponto, compreensível) pelo falhanço rotundo em que redundara a sua tentativa de  glosar uma "dama de ferro" na liderança do PSD. Mas desenganei-me rapidamente: já lá vai tempo demais sem que o disparate tivesse cessado.
 
Ferreira Leite foi provavelmente a mais tacanha ministra da educação de todos os tempos, ainda na época da governação de Cavaco.
A crispação foi tanta (já no estertor do cavaquismo) que a respeitável senhora se constituiu, num passe de mágica em que a política é fértil, numa espécie de reserva moral e "técnica" do PSD.
Até aí, tudo bem. A vida tem destas coisas.
E as catacumbas do Banco de Portugal serviam para a guardar.
 
Manuela voltou a entrar em acção no governo de Durão e Portas.
Nunca ninguém até então, como ela, falara tanto na necessidade de austeridade, contenção do défice, controlo das contas do Estado. Estávamos no pré-socratismo e a maioria dos portugueses nunca tinham ouvido falar com tanto alarme do défice, de programas de estabilidade e crescimento e no pacto com a mesma designação.
Se já ninguém se lembra, eu recordo: foi aí que o número mágico dos 3% do défice efectivo do orçamento saltou para as parangonas dos jornais e para tudo o que era telejornal. A depressão e a "fossa" da austeridade (que, agora, tanto afligem Ferreira Leite) começaram aí. Precisamente aí, quando ela era ministra das finanças.
 
Esclareça-se: os mais brutais disparates feitos nas finanças portuguesas já vinham do passado, mas foi no ministério de Ferreira Leite que começou o assanhamento da retórica depressiva - ninguém se lembra de que foi então que nos disseram, pela primeira vez em muito tempo, que estávamos "de tanga"?
Eu lembro.
Lembro-me bem que Ferreira Leite cavalgou nesta retórica até ao governo de Durão se despenhar em chamas. Isto, claro, depois de um desempenho de Manuela nas Finanças que toda a gente faz por esquecer e que teve como pontos altos a "luz verde" do seu ministério para a aquisição dos famigerados submarinos e, sobretudo, a venda de créditos fiscais ao Citigroup. Isto, claro, para não falarmos no uso e abuso de receitas extraordinárias (a meter traficâncias com arrendamentos de imóveis do Estado) para mascarar os buracos orçamentais.
 
Como vivemos num país sem memória, tudo isto ficou obnubilado pela espuma dos dias. Também, evidentemente, porque a seguir tivemos o inolvidável Governo de Santana, cujas erupções diárias como que faziam a História do país voltar a zeros todos os dias. E porque Manuela, reconheça-se (muito embora, não desinteressadamente), se perfilou, dentro do PSD, como uma das mais ferozes adversárias desta insanidade.
 
Depois, veio Sócrates. E, claro, vieram os respectivos desmandos.
E Manuela, quase sem saber porquê, já líder do PSD (após purgas inesquecíveis), no fim dos primeiros quatro anos da governação socrática, viu-se diante da oportunidade de chegar ao poder.
Uma oportunidade real, que teria poupado ao país os dois anos seguintes do segundo Governo de Sócrates, cuja sorte estava à partida traçada pela sua incapacidade de governar sem maioria absoluta (e de se entender com quem quer que fosse para formar esta maioria).
E foi aqui que todas as dúvidas - se é que existiam - se dissiparam.
Relembro que Sócrates estava em dificuldades (a crise financeira internacional já rebentara há bastante tempo) e que havia sondagens que colocavam o PSD de Manuela em São Bento.
O que se seguiu foi o maior maior espectáculo de incompetência e falta de habilidadepolítica de que há memória (e que, repito, custou dois anos - dois dolorosos anos - de inacção ao país).
 
PS e PSD estavam lado a lado.
Manuela chegou aos debates decisivos depois de se ter recusado a ter uma equipa a prepará-la para os confrontos decisivos. Na sua cabeça, não precisava de ninguém. Mesmo no século XXI.
 
O primeiro debate foi com Portas (para fixar o eleitorado mais à direita). O resultado foi desastroso. Portas esmagou de tal forma, que me é difícil recordar um debate em que um dos contendores tenha saído tão vergado.
O último dos debates foi com Sócrates. Outro massacre brutal, frente a um preparadíssimo adversário.
 
Num destes debates, Manuela trocou três vezes - repito, 3 vezes - o IRS com o IRC. E não se enganou nas siglas: o erro era real, e tinha a ver com a taxa de imposto. Não era um lapso. Foram 3 vezes a falar de uma taxa de tributação sobre as empresas que é impossível numa economia de mercado. Três vezes, num desnorte total.
 
Sócrates, mesmo em grandes apuros, venceu as eleições.
Não foi, na verdade, Sócrates (de quem o país já estava exausto) que as ganhou. Foi Manuela Ferreira Leite quem as perdeu. E com toda a justiça.
Porque o eleitorado se apercebeu que a suposta superioridade "técnica" de Leite era uma fantasia. Porque ficou patente a falta de preparação da candidata e a sua teimosia obstinada em rodear-se de gente pensante que a pudesse "preparar".
Porque se tornou evidente - não tenho receio das palavras - que tudo se tratava de uma enorme imposturice.
 
O povo percebeu tudo isto e, entalado (mas sábio), preferiu ver Sócrates acabar consigo próprio, sob pena de o seu fantasma (caso fosse desinstalado precocemente) ficar perenemente a pairar sobre os destinos do país.
E assim foi, com Manuela rapidamente desalojada (dada a sua manifesta incapacidade para receber o poder de bandeja) e com Passos Coelho pronto para receber no colo aquilo que dois dedos de testa teriam antecipado dois anos.
 
Aí está, pois, o Governo que temos.
Mas com a incansável Manuela sempre nos seus calcanhares. Rosnando. Em repetidos e sucessivos apartes, sempre a coberto da sua "competência técnica" em matéria financeira e orçamental.
 
Hoje, Manuela, numa conferência, decidiu dizer, para os media ouvirem, que "interessa pouco não entrar em falência se está tudo morto" (ver link).
É uma espécie de glosa a Keynes, que dizia, esse sim sabiamente, que a "longo prazo, estaremos todos mortos".
E Manuela concretiza: “se conseguirmos fazer a consolidação orçamental até 2014 interessa-me pouco não entrar em falência se simultaneamente está tudo morto.”
 
Digo eu: Basta! É demais.
Depois de ter aplicado umas finanças de pacotilha quando esteve no Ministério e ter inaugurado o furacão da austeridade (que nunca mais cessou, com maiores ou menores intermitências), depois de ter inaugurado a retórica da "tanga" e ter trazido, pela sua mão, o país para a recessão e o estado depressivo de que nunca mais se viu livre (no ciclo vicioso que conhecemos bem), como é que Ferreira Leite tem cara para vestir agora a pele do cordeiro preocupado com as repercussões sociais da austeridade?
 
Como é que Ferreira Leite se dá ao luxo de condenar a austeridade deste orçamento? Ela, a "dama de ferro" da austeridade.
 
Não consigo perceber.
E duvido que alguém consiga.
Chega!
 
 

 
 
 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Silva Lopes: com a força lúcida da razão

Tenho escrito pouco aqui. E não fora hoje, 17 de Outubro, ter ouvido, no jornal das 22h da SicN, Silva Lopes, provavelmente suceder-se-iam mais uns dias até que voltasse a estas paragens.
 
 
 
Nos dias que correm, é extraordinariamente difícil manter a lucidez no comentário e na análise. E a televisão tornou-se um desfile insuportável de opiniões medíocres e interessadas. Normalmente, um cortejo de banalidades.
 
Silva Lopes, com a competência habitual, luziu, hoje à noite, neste decrépito cenário.
Lúcido, reflexivo mas assertivo, politicamente desinteressado, tecnicamente coerente e sem catastrofismos ou demagogias baratas. Uma raridade, portanto.
 
Mas o que disse, então, Silva Lopes?
Coisas concretas e acertadas, sem falsas simplificações - outra extraordinária raridade, nos dias de hoje. E sem empolgamentos à moda de Medina Carreira.
 
Comecemos pelo Orçamento (OE).
Estribado em contas simples, mas sem serem de faz-de-conta, Silva Lopes explicou, serenamente, que o cenário macro-económico em que o Governo alicerçou o OE dificilmente se verificará, o que inevitavelmente redundará na necessidade de novas medidas de austeridade, a fim de que os compromissos com a troika em matéria de défice não sejam quebrados.
Até aqui, não há novidade: nenhum mortal crê no contrário. Não há memória de um OE em Portugal (a cargo deste ou de outro Governo) que assente em previsões económicas com aderência à realidade.
 
Ainda a propósito do OE, debruçando-se concretamente sobre o IRS, Silva Lopes disse também o que se mete pelos olhos dentro: a diminuição dos escalões do IRS dá cabo da progressividade do nosso imposto sobre o rendimento das pessoas físicas, a despeito de o Governo usar precisamente a bandeira da progressividade para justificar as recentes opções fiscais.
Aqui, Silva Lopes foi até mais longe: explicou que, ao invés, caminhamos para a regressividade e demonstrou-o com mais alguns cálculos que, todavia, não puderam ficar inteiramente claros porque a inefável Ana Lourenço, sempre de bujarda em bujarda, o interrompeu até ao limte do suportável.
Foi pena. No entanto, penso que tudo teria ficado mais nítido (e mais tempo teria sobrado) se Silva Lopes se tivesse limitado a vincar uma ideia simples (mas que toda a gente que sabe o que significa o conceito de imposto progressivo entende): quanto menos escalões diferenciadores dos rendimentos existirem, menor é a capacidade do imposto para fazer o tratamento diferenciado dos diferentes rendimentos, pelo que, obviamente, a taxa média do imposto se torna menos sensível às variações na capacidade contributiva (e, logo, menos progressiva).
 
Mas adiante, até porque o melhor estava para vir.
 
Silva Lopes já desancara o brutal aumento de impostos trazido pelo OE e as mexidas no IRS. A seguir, explicou, sem sobressaltos (pese embora os apartes abelhudos com que Ana Lourenço o ia distraindo), o que toda a gente também já percebeu: esta receita de que o Governo agora lançou mão não resolverá o que quer que seja, porque apenas acentuará o ciclo vicioso em que estamos enredados.
De facto, maior carga fiscal (a curva de Laffer que o diga...) e mais austeridade apenas trarão maior contraimento à economia, a qual, por sua vez, por estar cada vez mais anémica, gerará nas contas do Estado (até pelo minguar das receitas fiscais) novos buracos que, por sua vez, reclamarão mais austeridade. E assim por diante...
Isto é óbvio, e é o que a esquerda esclarecida tem dito, cheia de razão.
Faltava dizer o resto, que a esquerda irresponsável não diz, e que Silva Lopes deixou muito claro: rasgar o acordo com a troika e dizer "não pagamos" (mostrando, ou não, o rabo em manifestções de rua) não resolverá qualquer problema. Pelo contrário, agravará tudo. Como é evidente. Porque aí, sim, posta a troika em debandada, ficaremos com os rabos a descoberto, quer queiramos, quer não. Sem conseguir financiar a economia com um tusto, sem o Estado ser capaz de assegurar o mais elementar dos pagamentos.
 
E, então, "em que é que ficamos"?
 
Ficamos com a extraordinária honestidade de Silva Lopes, capaz de evidenciar as más escolhas que o Governo, desde Setembro, tem feito (não resisto a apontar que o ministro Gaspar foi para férias cheio de prestígio...), mas também de admitir que o problema não pode ser resolvido com um patético "que se lixe a troika".
Mais: como muito boa gente tem dito (Krugman, por exemplo - ver link), Silva Lopes também pensa - e bem - que o problema é apenas em parte nosso (e do nosso suposto vício de "vivermos acima das nossas possibilidades"). Indo à raiz dos problemas, tudo tem sobretudo que ver com os dogmas monetaristas e de estabilização dos preços a todo o custo, em que a UE sempre assentou. E numa terrível incompetência da União para lidar com a crise, na medida em que os empréstimos aos países em apuros são sempre curtos e fora de tempo, o que lhes impõe sempre mais austeridade e, por conseguinte, mais recessão (a qual, por sua vez, mais austeridade reclama).
 
Resumindo: o medo crónico que a Alemanha sempre teve dos surtos inflacionistas (dado o trauma da década de 30) tem tolhido a Europa de soluções que uma crise da gravidade desta exigia.
A incompetência das lideranças puramente tecnocratas e a fraqueza política da União faz o resto.
 
Já achava tudo isto.
Depois de Silva Lopes ter dito, fiquei com a certeza.
 
 
 
PS - Ana Lourenço, por favor, cala-te.