"A menos que Cristo desça à Terra para miraculosamente
estender a mão a Cristiano Ronaldo, na próxima segunda-feira, dia 7 de janeiro,
Lionel Messi receberá, pela quarta vez consecutiva, a Bola de Ouro, o troféu que
distingue o melhor jogador de futebol do Planeta. No momento em que for
anunciado o nome do argentino, o português, impecavelmente vestido de negro, com
dois brilhantes nas orelhas e três litros de gel no cabelo, olhará
envergonhadamente para o chão e, depois de contar até 10 para não chorar como
uma criança, encarará a audiência e esboçará um sorriso tão genuíno como umas
Levi’s compradas na Feira do Relógio. Naquele segundo assassino, o Mundo
identificará a agonia de alguém que há muito se encontra em estado de negação.
Na cabeça de Ronaldo, Messi não é melhor do que ele. Não é mais rico do que ele.
Não é mais bonito do que ele. Não. Não. Não.
Vamos aos números: em 2012,
Messi marcou 91 golos em 68 jogos. Foi o melhor marcador do campeonato espanhol,
com 50 golos, e venceu a Supertaça Europeia de clubes e o Mundial de clubes. Já
durante esta temporada, marcou 26 golos em apenas 17 jornadas da Liga. E
terminou o ano com 25 golos em jogos internacionais, igualando o recorde de
Vivian Woodward, que durava há mais de 100 anos.
Agora Ronaldo: marcou 46
golos na Liga e um total de 63 (menos 28 do que Messi) em todas as competições,
novos máximos na sua carreira. Para além disso, foi campeão pelo Real Madrid,
num ano em que a equipa bateu todos os recordes da história do clube. E foi
semi-finalista do Europeu de futebol. Esta temporada, as coisas estão-lhe a
correr menos bem: o Real Madrid está a fazer um campeonato desastroso e Ronaldo
– um génio do futebol cujo maior azar foi coincidir com um jogador único e
irrepetível - já leva 12 golos a menos que Messi.
A distância numérica
entre Messi e Ronaldo é óbvia. Mas o futebol é muito mais do que estatística - é
talento, genialidade, improviso e simplicidade. E também aqui Messi volta a
vencer folgadamente. Mas o que é uma evidência para quase todos os que gostam de
futebol, não o é para Ronaldo. Nem pode ser, porque é desse atrito que ele se
alimenta. No filme “Clube de Combate”, de David Fincher, a dada altura o
personagem Tyler Durden, desempenhado por Brad Pitt, afirma que não nos podemos
conhecer a nós mesmos sem que antes participemos num combate duro. Talvez seja
isso que verdadeiramente está em curso para o jogador português: um processo de
profunda descoberta, travestido de uma disputa fratricida carregada de ambição,
obsessão e raiva. Sim, Ronaldo vai perder este combate. Mas, paradoxalmente,
será o facto de o ter disputado que lhe dará o direito a figurar entre o lote
dos melhores jogadores da história do futebol".
Fernando Esteves - Record