sábado, 15 de fevereiro de 2014

Numa '"ânsia colectiva de tudo fecundar" (José Mário Branco): a minha esquerda

Se lhe chamam esquerda, nisto sou de esquerda. Porque esta é a minha esquerda - aquela que, para mim, é a verdadeira esquerda e de que pouco me importa que dela me aproprie. Aquela para a qual não releva o contraste entre direita e esquerda (o que é isso?), por ser irredutível o que acima disso paira e verdadeiramente interessa (e que - ainda bem... - nao tenho que descrever aqui).


Guardei isto (na sua absoluta genialidade), para mim, durante 15 anos, mesmo sabendo que não era só meu e que a ficção de que fosse (que eu sabia, sem pudor, ser intolerável) não importava.
Mesmo há 15 anos - e sem que isso também relevasse ou, de algum modo, a razão importasse - eu já sabia, para desconforto de alguns (que nunca, em rigor, compreendi), quem tinha sido Pinheiro de Azevedo, Acácio Barreiros, Jaime Neves e outros, que salpicam o início triunfal de "FMI".

Mas foi há bem menos tempo que descobri que o que, afinal, mais releva em o "FMI" é isto, no que hoje encontro, também, a tal (minha) esquerda, bem diferente - e acima - daquilo que se convencionou chamar-se de "esquerda" (ou de "direita"):

"Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar..."

Foi aqui que, confesso, não resisti a recostar-me numa almofada (decerto, para alguns, de cunho capitalista) e, despropositadamente (mas com um sorriso), lembrar-me de Sócrates. Sim, de José Sócrates e da sua "esquerda" (a par da de outros)... Ele há coisas do diabo!
Demorei também demasiado tempo a descobrir isto (é para ouvir de fio a pavio):


Mas cheguei cá a tempo.
Afinal, José Mário Branco tambem diz que "resistir é vencer" (o nome do disco e do concerto). Como se vê (e ele que me perdoe), trata-se apenas de dizer - numa língua diferente da de Churchill e partindo de outro ilhéu ideológico (porventura de apriorismos mais sãos) - "we shall never surrender".
Não há, no que verdadeiramente interessa (que é muito pouco), diferenças de monta.

Obrigado pelo Zé Mario, Pio.

(texto editado em 5 de Dezembro de 2015)