segunda-feira, 16 de março de 2015

Diário de um normopata (III)

 
Eram 8h32. O despertador só estava programado para o despertar às 9h15, mas agora acordava sempre antes daquele apito insuportável - como nunca sucedera outrora: havia até tempo para, quando a leitura do jornal o não distraía o suficiente, calar antecipadamente o lembrete estridente, remarcando-o para a manhã do dia seguinte.
 
Numa renovada rotina, seguía-se uma banana a servir de pequeno-almoço e um café numa chávena que dizia "LOL", o que funcionava como uma espécie de troféu daquela tão ambicionada normopatia - uma vida nova e desconhecida, mas sempre repetida.
 
Havia, em seguida, a dança da poupança de energia: metodicamente, desligava agora sempre a luz da sala maior (por onde acabava por fazer um curto périplo, também ele rotineiro, a fim de se aperceber do tempo que fazia lá fora, para poder decidir o que vestir) antes de acender o aquecedor da casa de banho. Não havia poupança de energia que se visse, mas a convicção de que a medida assim tomada era racional enchía-o de um certo contentamento - até pelo facto de a ver como uma obrigação, cujo cumprimento era ligeiramente incomodativo.
 
A seguir, o banho da manhã fazia-o pensar, por vezes, no significado destas novas rotinas. E, de vez em quando, deixava escapar um sorriso divertido a propósito delas, que não deixava de ser de escárnio por uma certa alienação que sempre teve pouco que ver consigo e com as suas manhãs.
Corrigia, porém, imediatamente o desvio, pensando rapidamente que não podia pensar no que pensava (ou deixava de pensar) naquelas novas manhãs.
 
Com a certeza, claro, de que, amanhã, haveria mais. Sem surpresas, evidentemente.