terça-feira, 5 de maio de 2015

Roma não paga a traidores


Numa das mais espantosas e menos lembradas cenas de Eyes Wide Shut, Cruise, naquela noite olímpica e do tamanho de uma vida inteira, é atraído por uma prostituta para casa dela, num evento secundário.
 
Nada se passa, à excepção de que há uma incrível tensão a trespassar o ecrã.
 
Ela é lindíssima e ele sabe. Por um acaso, ele não vai poder tocar-lhe. Mas gosta tanto dela, só naquele breve momento, que lhe quer pagar à mesma, embora ela comece por recusar.
 
Não há nada nisto que seja pouco natural. Tudo faz sentido. E nem por um momento duvidamos de que Cruise lhe vai pagar. 150 dólares, se me recordo bem.
 
Este é o simétrico perfeito de "Roma não paga a traidores".
 
Na cena de Eyes Wide Shut, não há prestação, mas o pagamento é uma consequência lógica e evidente, nunca posta em causa.
Quando se proclama que "Roma não paga a traidores", há prestação, mas não há pagamento. Por razões igualmente óbvias e de moralidade insuspeita.
 
É habitual criticar-se o costume romano. Aponta-se um certo cinismo amoral ao acto do romano que suborna e depois não paga ao subornado, malgrado este tenha perpetrado o mal que prometera.
Em Eyes Wide Shut, posta a coisa ao contrário, não há dúvidas nem críticas que possam subsistir. É a prova de que os romanos tinham razão.