sábado, 8 de abril de 2017

A ENTREVISTA DE PASSOS DESTA SEMANA E A CONSTATAÇÃO DO ABISMO

Escrevi no FB (em texto datado e assinado para quem se quiser dar ao trabalho de o respigar) que a afamada "geringonça" duraria vários anos no poder (provavelmente até ao fim do mandato deste Governo).
Disseram-me que não; que era impossível. E eu ri-me, porque era óbvio: nunca tão baixas expectativas e o "leitmotiv" da sobrevivência no "poder" (para os três partidos envolvidos) se tinham alinhado numa conjugação tão perfeita. Acrescia um importante detalhe: Costa, Centeno e vários outros tinham aptidões políticas (nuns casos) e técnicas (noutros casos) que tornavam a coisa manifestamente evidente.
Volto a dizer: era óbvio. E só a cegueira de quem discutia o tema com o fanatismo com que se discute um Porto-Benfica ou um Benfica-Sporting explicava que houvesse sequer discussão.
Não tenho filiação política (nunca terei, embora tenha pena de ter dito que não às oportunidades que me foram dadas para contribuir para essa coisa inolvidável que é o "bem da nação"), mas tenho grande interesse por tudo o que é político (sempre tive e, afinal, podia ter-me dado para pior...). Maior interesse só tenho mesmo na observação dos mecanismos químico-cerebrais que explicam o vigor do fanatismo (destes e de outros tempos): aquela cegueira que se presta, a todo o tempo, a justificar o injustificável.
Quanto a isto, o segredo bem guardado é apenas o de que invejo a tenacidade com que se acredita no que contraria o óbvio: é a tenacidade dos loucos no seu esplendor. Que invejo, repito.
A última entrevista de Passos - aos inefáveis J.G. Ferreira e Bernardo Ferrão (o panegírico de apresentação do último, no Expresso "online", demonstra bem a cretinice reinante e, sobretudo, a do próprio; quanto à ignorância e pacovinice do primeiro, por ser consabida, há pouco a dizer...) - é outra comprovação do óbvio.
Está agora muito em voga começar a evidenciação de qualquer ponto de vista por um inacreditável (e boçal) "eu vou explicar". Ora, para falar do que é evidente, não farei coisa diversa: passarei à "explicação" (como se alguém precisasse dela...). De facto, tamanhas evidências convidam a uma certa boçalidade - é melhor isso do que a propaganda ao cangalheiro (sendo que há vários).
Adiante.
Passos devia ter percebido - e acredito que não tenha percebido por falta manifesta de mais coisas para fazer (esta é explicação melhor do que acreditar que se convenceu que era o messias da nação) - que devia ter cavado (sim, cavado, pondo-se a milhas por uns tempos) assim que lhe demitiram o último governo.
Era perfeito: tinha ganho as eleições nas urnas, podia dizer que cumprira com denodo a sua função de salvar o país dos desmandos da governação socrática e... já estava. Não interessaria saber, aliás, se era verdade ou não (e eu não estou agora a dizer que é...).
O resto (acompanhado da dialéctica do "não havia alternativa" - "TINA") era uma manobra de manual: arranjar um líder provisório da sua confiança que desse o corpo ao manifesto (tipo-Teresa Leal Coelho, a mesma agora usada no delírio autárquico de Lisboa) cuja substituição por ele próprio - mais à frente no tempo - seria fácil e inquestionável.
O capital político que para Passos resultaria desta manobra rudimentar era incalculável. Uma certa vitimização ia ajudar à festa. E o fado português do mito sebástico assegurar-lhe-ia uma hipótese real de regresso ao poder (com a mesma bandeirinha na lapela que persiste hoje em usar) - no momento certo.
Mas não.
Passos preferiu a estratégia "kamikaze" e, logo, sem esperança de um dia mais.
Preferiu expôr-se à insusceptibilidade da crítica ao governo da geringonça, pelas comparações óbvias que um país causticado e descrente sempre faria para com o governo anterior. Era óbvio que todas as críticas teriam "legitimidade-zero": um chefe de governo não defende o seu governo na oposição. Vem nos livros que Passos não leu.
Preferiu expôr o seu governo (o anterior) à inevitável chacota pelo que correu mal (pessimamente), em tempos em que não seria de esperar outra coisa.
Preferiu remeter-se ao papel patético de quem nada pode prometer na oposição, negando à oposição o seu papel primevo: o de poder vender alguma ilusão ao país.
Preferiu delapidar o capital político que lhe restava e que, num exercício elementar de lucidez, lhe permitiria, porventura, regressar.
Preferiu suicidar-se com a tenacidade dos loucos.
Acho que sei porque o fez: porque, no recato do travesseiro, ainda acha que o futuro lhe dará razão, transformando-o no tal mártir regressado em consagração sebástica. Mas não. Porque "a razão" não lhe será dada a ele. Nem aos seus, para gáudio de quem andou a pilhar à fartazana até 2011.
Para compôr o festim da decadência néscia a que resolveu entregar-se, Passos resolveu respeitar os símbolos da crispação e da incompetência: colou-se a Maria Luís Albuquerque, a qual dera (e continua a dar todos os dias) provas da ignorância óbvia que ressaltava do respectivo currículo. E compôs o ramalhete genuflectindo perante Cristas, símbolo de um neo-moralismo bacoco e de uma aspiração a uma pseudo-tecnocracia incompetente que infesta Lisboa (por detrás de currículos provenientes da degenerescência académica do país).
Há ainda a tragédia do grupo parlamentar. Mas essa nem merece comentário.
É isto o pior?
Não, claro que não. O pior é mesmo que o país precisa de um PSD forte (assim como precisa de um PS forte, como agora tem). PSD que poderá ficar irremediavelmente em escombros (por muitos e muitos anos - demasiados) caso não seja aplacada a cegueira messiânica de Passos (agora definitivamente sozinho, rodeado por uma triste "entourage").
A entrevista aos Senhores Ferreira e Ferrão na SIC apenas confirmou tudo isto. Não foi novidade. Sendo certo que tal foi confirmado pelo afã de Passos em falar de banca, provavelmente por achar que ouve de quem sabe da poda (o que é para rir).
Teve, de resto, o condão de dar razão aos comentários que o imprestável e maçador Jorge Coelho se viu com legitimidade para poder fazer. E, desta vez, com razão, o que mostra a embrulhada (outra vez a "TINA", agora em nova versão...) em que estamos metidos.