Após o choque (que os mercados bolsistas - e de que maneira - também sentiram), é já tempo de olhar para o referendo grego de 4 de Dezembro com a frieza que se impõe.
O referendo - note-se - não é sobre o pacote de ajuda, o 5.º plano de austeridade no país, ou sobre o perdão parcial da dívida. Não. O referendo é - seja qual venha a ser a pergunta formulada ao povo grego - sobre a permanência no euro (e, em último termo, na UE).
Tout court - e em termos tão claros, no plano do significado relevante, que o próprio Papandreou, com o semblante de quem jogou a última cartada (o velho trunfo da fuga em frente), já o admitiu, sem subterfúgios.
Perguntar isto aos gregos, por paradoxal que pareça (a primeira reacção é deitar as mãos à cabeça, por se ter desencantado um referendo numa altura em que a celeridade de acção e a simplicidade de processos pareciam ser a chave óbvia da solução), pode porventura ser, muito inesperadamente, um primeiro desenlace, definidor de uma solução qualquer.
De facto, é já um dado assente, dada a monumental incompetência das lideranças da zona euro, que o tipo de caminho até agora percorrido leva a lugar nenhum. E continuará a levar: de tempos a tempos, assim que o pânico aperte, novas cimeiras se realizarão, novos "acordos" serão firmados e - como até agora - os mercados manter-se-ão impertubáveis, corroendo o euro e as perspectivas de solvência dos Estados-membros.
Já se percebeu que alargar o FEEF para números astronómicos (e o FEEF tem AAA para as agências de rating) ou que permitir maior raio de acção ao BCE para (em segredo ou não) comprar dívida soberana nos mercados secundários, não vai resolver o problema.
Muito simplesmente, isso tem apenas conduzido a uma lenta agonia, a um prolongar do estertor. E tem servido para colocar a nu a impotência extraordinária das lideranças da Europa actual.
O resto é conversa: de cimeira em cimeira, de plano em plano, às vezes com um par de meses pelo meio em que a pressão alivia para depois voltar sempre mais tremenda e perturbante (e cada vez mais intensa, sobre um conjunto mais alargado de Estados-membros).
Perante este estado de coisas - de absoluta e letárgica inoperância - é preciso um desenlace qualquer. Uma clarificação.
E o primeiro desenlace pode ser o referendo grego.
Tudo porque o referendo imporá qualquer coisa, decidirá (note-se a força do verbo) qualquer coisa. E, a mal ou a bem, é disto que a Europa precisa.
Pura e simplesmente, se não consegue decidir alguma coisa ou chegar a parte alguma, a Europa precisa que lhe imponham factos. E é isso que os gregos farão, dizendo, muito provavelmente, "não" ao euro.
Se disserem que "sim", aplique-se o plano, então com total e inquestionável legitimidade (e, logo por isso, com acrescida eficácia), até às últimas consequências.
Se disserem que "não", encare-se de frente o problema de ter caído o primeiro peão. Sem ambiguidades. Se o euro não sobreviver sem a Grécia, é porque não tem razão - por ser tão fraco - para existir.
Do que precisamos é, pois, de uma primeira clarificação. Que não chegaria (num prazo útil) sem o topete dos gregos.
É tempo de encarar o problema de frente. Até porque para não o fazer, são precisos, como a História ensina, grandes artistas - e não há artistas no actual panorama desolador dos líderes europeus: apenas medíocres actorzecos de uma geração falhada, iguaizinhos (salvas as diferenças de porte e dimensão) aos que, por cá, têm tomado conta do país nos últimos anos. Sem liderança, prestígio ou competência.