sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O empreendedorismo e a farsa

Nos últimos tempos tenho-me insurgido muitas vezes contra a conversa fiada do "empreendedorismo". Mas não tenho tido arte nem engenho (e, algumas vezes, paciência) para tornar convincente o que pretendo dizer.
Tenho percebido que passo, quase invariavelmente, por inimigo dos que ousam "inovar" e "empreender".
Nao é nada disso, claro.
 
Do que sou (e serei sempre) obstinadamente antagonista é da retórica do "empreendedorismo".
 
O empreendedorismo não é dizer balelas e truísmos com ar convincente. É fazer.
O empreendedorismo não pode ser convertido numa desculpa para diminuir o que se gasta com a instrução de uma população ainda hoje largamente iletrada. E que, agora, parece convencida de que vai "empreender", mesmo que saiba pouco ou nada (e achamos sempre que sabemos muito) sobre quase tudo.
 
O empreendedorismo jamais pode ser uma retórica porque não é passível de ser ensinado ou transmitido num toque de Midas. É uma pena mas é verdade: ou se é empreendedor ou nao se é. E não há mal algum em não ser, diga-se.
 
Se gosto de empreendedores? Em geral, sim. Bastante. Porque os admiro.
Só que há poucos. A esmagadora maioria dos que se apresentam como tal (e estou a pensar no Portugal dos últimos anos, onde eles pululam) são apenas desinteressantes e cansativos, quase sempre navegando na mais olímpica ignorância e estupidez.
 
O "empreendedorismo" que tenho visto a ser vendido em pacotes (inclusivamente por algumas figuras proeminentes no país) é apenas um número reles de pacotilha e que normalmente redunda numa desculpa primária para não fazer nada. Em suma: uma prosápia requentada tão patética quanto, por vezes, imoral (por amesquinhar os outros, tomados sempre por menos espertos).
 
Vou tentar ilustrar com um exemplo (que os "empreendedores" a que me acabei de referir jamais compreenderão porque acharão todos que estão do lado certo da equação):
 
 
 
 
 
Um fala do que já fez. O outro fala do que os outros devem fazer.
Um está preocupado com ele. O outro está preocupado sobretudo com o vizinho.
Um fala 7 minutos. O outro tem direito ao dobro do tempo.
Um vende bens. O outro vende lugares comuns (copiados de almanaques baratos) com um embrulho modernaço.
Um tem nos olhos estampada a inteligência. O outro fere os olhos por pretensiosamente achar que é mais inteligente que os demais.
Um vende uma ideia. O outro teve um cargo por iniciativa governamental.
Um rechaça numa penada o comentario hostil e invejoso. O outro tem a turba com ele, embevecida pela arte do espertalhão que demonstra que, afinal, tudo é simples.
(Sim, porque segundo esta "doutrina", é sempre tudo muito simples. Os outros é que não pensam, é que não sabem, é que nao vêem...)
 
Ah, e tal... Mas essa conversa é só porque um é um "menino da linha" e o outro podia ter nascido no Linhó.
Não! Trata-se do que eles dizem e tão-só disso mesmo: experimentem tapar a imagem dos vídeos e concluirão que é disso que se trata. Aliás, nunca preferi o que é benzoca.
 
Convém, aliás, notar que não há aqui culpa de ninguém: tanto um como o outro estão a fazer pela vida, coisa que, essa sim, respeito (porque há também os "empreendedores" de sofá, que são ainda piores). Só que um faz por si; o outro faz a vida à custa do desânimo dos outros: vende ideias (pueris) - coisa a que tem direito - e há quem, desesperado, as compre.
 
Enfim.
É uma chatice ser útil saber ler e escrever (até porque fica caro para os pais e para o Estado).
É uma chatice dar jeito estudar e aprender a fazer, competentemente, qualquer coisa (o que agora se confunde com "perda de tempo" porque, afinal, "não é preciso nem vale a pena").
E é muito aborrecido ter que parar, às vezes, para pensar com tino nas coisas, em vez de só se gastar tempo a pretender fazer com que outrem pense que já pensámos em tudo.
 
Por isso, o que está na moda é brincar aos empresários.
Ou, pelo menos, dizer que se conhecem alguns, com quem passámos 5 inolvidáveis minutos.
E depois bullshitar outra vez. De preferência, sem parar. Até os outros serem vencidos pelo cansaço.
 
Resumo-me à minha insignificância: não sou um empreendedor. Nem dos bons (o que tenho pena), nem dos maus (o que é um alívio).
Nao crio - isso de certeza - "propostas de valor", ou "sinergias". Nem vejo "para além da curva".
Mas se um dia esse talento - o de verdadeiramente empreender -, por uma coincidência feliz, me calhar em sorte, não vou perder tempo a maçar os outros, lembrando-lhes o quão pouco "empreendem". É que terei pouco tempo senão para, simplesmente, fazer.
 
 
PS - Ricardo Araújo Pereira criticou os personagens dos dois vídeos. Com a inteligência habitual, zurziu o homem que "bate punho". Mas criticou também o outro. Mal. Porque o fez somente com o argumento de que o Martim se pôde financiar com os pais, enquanto a generalidade das pessoas o não pode fazer. E daí? Sugerirá RAP que quem tem meios deve cruzar os braços?