quarta-feira, 1 de abril de 2015

"Eu não tenho a certeza se tu és a alegria ou se és a tristeza" (Estrela da tarde)

 
 
No poema de Ary dos Santos a que Carlos do Carmo deu a voz mais conhecida e ao qual não me atrevo a atribuir adjectivos (por não me ocorrer um com a magnitude necessária) - "Estrela da tarde" - há incontáveis peças de que não consigo escapar.
 
Uma delas, porventura a que prefiro, é a que descreve aquela tarde - em que "era tarde, tão tarde" - como aquela em que também "eu entardecia".
 
Mas é a chave da estética que, a mais do muito que sobra, está presente naquelas palavras.
 
Não se trata propriamente (só) do belo mas, verdadeiramente, do que é sublime - dessa diferença na qual pretendeu Kant, logradamente ou não, buscar a prova da existência de Deus.
 
Os alemães falam em Schadenfreude para significar o contentamento que se nutre do infortúnio dos outros (o "harm-joy" anglosaxónico não tem a mesma força). Nunca percebi porque é que Schadenfreude não traduz, antes de mais, o contentamento com o infortúnio do próprio sujeito que desse sentimento experimenta.
No poema de Ary, é esta última dimensão que (também) está presente: há um contentamento - e, logo, uma alegria -, sentida na primeira pessoa do singular, com aquilo que de triste experimenta o mesmo sujeito. Ora, é esse limbo que faz do belo... sublime: essa contida tensão trazida pelo paradoxo e pela antinomia ("naquela triste e leda madrugada").
Digo que é esta a chave da estética - o mesmo limbo. Na música, na pintura, na poesia, e no que mais houver: uma tristeza que, por ser tristeza, se faz feliz. E que faz feliz.