domingo, 13 de novembro de 2016

Certezas e certezas absolutas

No post imediatamente anterior deste blogue, digo alguma coisa - por sugestão de Daniel Zamith-Abreu - acerca das relações (de proporcionalidade) entre ignorância e auto-confiança e entre ignorância e felicidade.
Agora, eis uma relação que não é de mera proporcionalidade.
Se o tema for a relação existente entre conhecimento e felicidade (ou mera harmonia - e contentamento - no entendimento com os outros), é fácil ilustrar tal relação com um exemplo simples: as probabilidades de que eu e tu nos chateemos um com o outro a discutir mecânica quântica é praticamente igual a zero. E porquê? Porque ambos sabemos "zero" do assunto, pelo que não há chatice possível entre ambos. O problema só se adensa se um dos intervenientes tiver lido um panfleto acessível e simples sobre o tema (por exemplo, porque deu uma olhadela à "breve história do tempo" de Hawking) e se convenceu de que ficou a saber alguma coisita sobre o assunto. Mas mesmo nesta última hipótese, o drama será quase nenhum (e será certamente curtíssimo), mercê da circunstância de preponderar a consciência de que, afinal, o desconhecimento sobre esse tema é comum aos dois intervenientes no diálogo (pelo que uma eventual medição de pilinhas se acaba por esvair num abrir e fechar de olhos...).
Mas esta felicidade e harmonia com os outros (que tende a ser sempre tanto maior quanto maior for a ignorância... e que é exponencialmente maior nas situações em que a mesma ignorância é partilhada e comum a todos) já se exprime de maneira diferente (numa visão gráfica: não em termos "lineares", mas já mais em termos "ondulatórios"...) quando se trata da questão das certezas e... das certezas ABSOLUTAS.
De facto, a hipótese de que tenhamos a CERTEZA sobre alguma coisa pode provir: 1) de um considerável conhecimento acerca de um assunto, ou 2) de um profundo desconhecimento (de ignorância) acerca do mesmo assunto.
Passa-se exactamente a mesma coisa com as certezas que são ABSOLUTAS: 1) estas podem resultar de um aturado e profundíssimo estudo acerca de determinado tema (o qual pode conduzir a meia dúzia de ideias firmes e inamovíveis sobre este tema), ou 2) aquelas certezas ABSOLUTAS podem ser produto da mais atroz ignorância (a qual é, por definição, perfeitamente acrítica e pronta para empreender qualquer burla capaz de fornecer qualquer aparência de sapiência).

Até aqui, há um paralelismo que tende a ser linear: as certezas absolutas (como as meras certezas) tanto podem provir de grande conhecimento sobre determinada matéria, como de uma monumental ignorância acerca da mesmíssima matéria (lembre-se o modelo ptolomaico...).
Porém, o que é interessante observar é que as hipóteses de que se atinjam certezas ABSOLUTAS são muitíssimo maiores quando estas certezas são resultado de tremenda ignorância e não de um conhecimento (verdadeiramente) profundo.
Muito simplesmente, é (fenomenologicamente) mais directa (e íntima) a ligação que se estabelece entre "certezas" e verdadeira ignorância, do que aqueloutra relação (mais distante, menos íntima e menos directa) que intercede entre "certeza" e verdadeiro conhecimento.
Mas mais: no caso das CERTEZAS ABSOLUTAS, esse fenómeno é ainda mais vincado (e não apenas numa escala gradativa). Tudo porque as certezas absolutas só quase podem provir (fora notáveis e contadas excepções) da mais nefasta e crassa ignorância (que, ademais, pretende usualmente impor-se aos outros).

Resta só acrescentar (para recuperar a temática da ligação disto à felicidade...) que, neste último caso, são esmagadoras as hipóteses de que se seja feliz, pois a felicidade surge mais facilmente quando se acredita piamente em alguma coisa ou se tem dela a certeza absoluta.
Claro que tudo se complica ainda mais se a isto chamarmos "fé". Mas essas são contas de outro rosário e que não são para aqui.