sábado, 12 de dezembro de 2015

Legitimidade constitucional e legitimidade "política"

Se for possível - e sei que é difícil nesta altura do campeonato - há duas ou três evidências que deviam ficar assentes acerca deste tema.

Claro que isso implica a separação das águas, ou seja, a capacidade de olhar para a questão sem pensar em PAF, PS, CDU, BE e PEV. E é isso que me interessa.

O tema é simples: será que faz algum sentido o argumento segundo o qual um governo pode ser constitucionalmente legítimo, embora "politicamente" ilegítimo?

A questão tem interesse. E tem interesse porque, se é verdade que só num primeiro momento é que se tentou entre nós construir a tese absurda da ilegitimidade constitucional do governo actual (que acabou por ser prontamente abandonada porque não tinha sequer meia perna para andar), depois, foi adoptado um outro discurso: o de que um governo deste género seria "politicamente ilegítimo" (apesar de constitucionalmente admissível).

Não perderei tempo com os aspectos tácticos que isto envolve: é uma ideia patética querer repetir este discurso - zero de eficácia política e nenhuma hipótese de futuro para ser "oposição". Quem sabe pensar no PSD já percebeu isto há muito tempo.

Mas o que agora me importa é demonstrar que, até em termos teóricos - que não podem deixar de ser jurídicos e de ciência política (ainda não é tudo economia....) -, não faz qualquer sentido dizer que "o governo é constitucionalmente legítimo, mas politicamente ilegítimo".

Vamos por partes.

A primeira evidência é a de que, num Estado de Direito (como ainda somos), a expressão máxima do que é "politico" está na Constituição. Não há "política" fora da Constituição (rectius, para lá da Constituição).
A maior emanação da política é a Constituição (foi aprovada por deputados eleitos, lembram-se?) e a própria política emana depois da Constituição (os deputados são eleitos nos seus termos): é assim que o círculo se fecha (e, sim, o tema é jurídico - lamento...).

A evidência seguinte (que resulta também da primeira) é a de que não há nada que seja "politicamente legítimo" que não seja constitucionalmente admissível. Por exemplo: é "politicamente legítimo" tomar o poder através de assalto pelas armas? Não. E não porque, neste Estado e com esta Constituição, isso é ilegítimo (as revoluções não pretendem ser constitucionalmente admissíveis, ou seja, legítimas à face da Constituição que, no momento, vigora; uma revolução é uma ruptura constitucional - e pode ser boa).

A última evidência - também na decorrência estritamente lógica da anterior - é a de que o que seja constitucionalmente legitimo (ou admissível) é, forçosamente, "politicamente" legítimo. Tudo porque não há política "legítima" fora (ou para lá) dos termos constitucionais. Logo, o que é constitucionalmente legítimo é (tem que ser) politicamente legítimo.

Numa palavra, a política é a Constituição e a Constituição é a política.
Podia não ser assim. Mas, em Estados constitucionalmente fundados, é.

Uma última nota: quer isto dizer que as pessoas não podem expressar o seu desagrado sobre o modo como se formou um governo - e, em particular, sobre o modo como este se formou (sem que o partido mais votado nas eleições o integrasse)?
Certamente que não.
Podem (e devem) fazê-lo se for essa a sua opinião. E devem fazê-lo porque isso é política e, claro, constitucionalmente legítimo: desde logo, é a própria Constituição que lhes reconhece o direito à liberdade de expressão. E outros direitos mais, evidentemente, que aqui vêm ao caso.

Em suma: quem está descontente deve manifestar-se, vociferar e escrevê-lo.
Mas, mais importante, deve aguardar por novas eleições (marcadas no quadro, outra vez, da Constituição e do desenho de legitimidade política que esta estabelece) para, então, impor (pelo voto) a irreversibilidade de um novo governo (mesmo face às várias soluções que a Constituição permite: se, por exemplo, o PSD tiver 51 por cento dos deputados formará certamente governo, e nem precisa do CDS).

É isto. E não é complicado. O resto é conversa de políticos de vão de escada. E impreparados.