quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Do ouropel: "Alea jacta est", Vercingetorix e Mark Twain




Numa tarde de nevoeiro, o dia corria teimosamente ausente. Era o costume, depois de a ilusão se ter escorrido na espuma dos dias.
A conversa era - como habitualmente - desinteressante, também porque era, afinal, um longo e penoso monólogo.

Nisto, veio à baila o famigerado "alea jacta est".
Como é expressão que costumo usar, lá levantei o sobrolho.
Mas permaneci calado, para assistir, confesso que com algum deleite inicial, ao enredo que se seguiu: tinha sido Júlio César (ao menos isso!) a dizê-lo quando lançava as suas tropas contra os "Visigodos". Mais: contra as hordas de... Vercingetorix! Era isso - e de certeza: eram outra vez os Gauleses. Quiçá, estes também "irredutíveis", como na banda desenhada.

Mantive-me calado enquanto me rolavam no cérebro mil coisas. Não era o lapso histórico (que, sem nenhum problema, acontece a todos) que me emudecia. Era o burilar convicto daquela incorrecção e o carácter de definitividade com que me era posta (sem hesitações) que me esmagava.
Vercingetorix, que eu sabia nada ter que ver com aquilo, era, aliás, profusamente caracterizado a esse propósito. Mas aí, já eu não estava a ouvir: o dourar baboso daquela patranha histórica tinha-se-me tornado insuportável.

O que agora me perturbava era como revelar e repor o que é consabido: que Júlio César bradara "alea jacta est" nas margens do Rubicão, quando, ao assalto de Roma, lançava as suas legiões contra... os romanos de Pompeu!

Seguindo a velha máxima de que aquele género de imposturice pede tudo menos o que possa ser visto como lição, aprestei-me a deixar a "história" ficar assim e a sair rapidamente dali.

O plano era simples e nunca acintoso: passados uns minutos, regressaria, diria que tinha consultado o "Dr. Google" e que me tinha apercebido de que tudo aquilo era um lapso, um engano. Contaria essa cena aos outros, aliás, sempre assim, não fosse - como rezam as expressões idiomáticas requintadas - o diabo tecê-las.

E assim foi, pese embora alguma acrimónia e muita rapidez vinda do outro lado: a admissão dos erros era sempre fugaz.
Mas deu-me tempo para me lembrar do episódio que costumam contar de Mark Twain. 
Consta que, certa vez, confrontado com a erudição postiça (mas convicta) de alguém que lhe fazia notar que, em Inglês, "sugar" era a única palavra começada por "S" que se pronunciava como se se iniciasse por "SH", Twain respondeu apenas: "sure".