quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O xadrez que aí está: Costa, Cavaco e Governo


Deixo aqui estas notas, com a prévia declaração de interesses habitual: já votei no PSD, já votei no PS, já votei no CDS, dificilmente votarei no PC e jamais votarei no BE.

1) Em vez de ter estado calado, Cavaco fez saber, bem antes das eleições legislativas, que exigiria uma maioria estável no Parlamento para dar posse a qualquer Governo. Já então era óbvio que não haveria maiorias absolutas - nem para o PSD/CDS, nem para o PS. Resultado: uma ofensiva frouxa para "marcar o terreno", feita com um par de peões e, atrás, uma "defesa siciliana" mal montada. Resultado evidente: provavelmente incapaz de não convidar Passos para formar governo, lá virá outra vez engolir bolo-rei para passar por cima das declarações iniciais, que eram, claro, dispensáveis (porque lhe limitavam o raio de acção e o fechavam num "compromisso" impossível).

2) Costa está embevecido - por enquanto - com o facto de um resultado eleitoral medíocre lhe permitir ser uma peça imprescindível no tabuleiro. Mas o resultado será sempre cruel: a) se governar com BE e PC, parte o PS e chefiará um governo de meses, arriscando dar a um PAF re-legitimado uma maioria com que não era antes lícito à coligação sequer sonhar; b) se governar com PSD/CDS, nunca mais se livrará da acrimónia da esquerda (PC e BE), passará por amigo da "direita" e dará um passo sério para que o PS nunca mais, no futuro, possa aspirar a não sangrar votos para a sua esquerda. Pode ser, sem histerismo algum, o fim do PS que conhecemos.

3) Não acredito que o que está em curso seja um "bluff" de Costa. Era uma manobra demasiado sofisticada e as coisas costumam ter uma explicação simples: Costa tenta, com o ziguezaguear actual, fazer esquecer o resultado eleitoral do "seu" PS e pretende apenas sobreviver - nem que seja como um mero peão no tabuleiro.

4) Cavaco, entalado pela declaração de antes das eleições e com pouco a perder (a imagem que deixa como PR já não tem safa), vai convidar Passos a formar Governo antes de tudo o mais. Na verdade, é a atitude correcta: a coligação ganhou as eleições. Mas o que antes era evidente (que não há problema, como no passado não houve, de haver governos minoritários na AR) deixou de ser óbvio, e muito por causa das tais declarações de Cavaco, que não soube estar calado (o estilo "bolo-rei", por vezes, não é mau).

5) Passos tudo fará para deixar a ideia que só não houve entendimento com o PS porque o PS não quis; Costa tudo fará para mostrar que não se entendeu com ninguém porque os outros (quer à sua esquerda, quer à sua direita) não quiseram - disso depende a sua ténue hipótese de sobrevivência política.

6) Não é sequer concebível (nem Cavaco o fará), de modo a que haja um governo de esquerda (PS, com PC e BE), que Passos não seja convidado, primeiro, a formar Governo. Chumbado este, o ónus passará para o PS. Com tudo o que de mal isso lhe traz, conforme detalhei acima.

7) Com tudo isto, é ainda possível que Passos forme governo minoritário com o CDS, caso o PS se veja obrigado, por falta de acordo com o PC, a viabilizar esse Governo. Mas, então, tudo se resumirá à tentativa deste Governo (forçosamente feito de políticos e não de "técnicos") em conseguir cair como vítima. Sucede que isso será também difícil (porque não é uma manobra nova), enquanto, entretanto, o país definha.


O xadrez é tramado.
Mas não tinha que ser tão complicado.