segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Os novos emigrantes e a verdade


Um dos embustes mais corriqueiros dos últimos tempos é a generalização de que o fenómeno da recente emigração é uma chaga para os que emigram.
A ideia nutre-se do pressuposto de que os que emigram o fazem por estrita obrigação de sobrevivência. Acrescenta-se a isso a reminiscência histórica (com dezenas de anos) de que quem emigra o faz sempre "a salto" e munido de uma simples "mala de cartão" e já está: como todas as generalizações simplistas, dá até para ser usado como trunfo eleitoral.

Ocorre que nada disto é agora assim. E que o que se passa não é passível de ser generalizado de modo simplista, como gostamos sempre de fazer.

Há várias verdades nisto que, ao invés de ficarem ocultas, devem ser assumidas. E por todos.
Eis as principais:

1) Não é possível que se encha a boca a falar, todo o tempo, num mundo hoje "globalizado", mas que, depois, se insista na visão paroquial de que todos - hoje muitas vezes bem formados e preparados para concorrer em muitíssimos mercados - deviam ficar no remanso da "pátria".

2) A "pátria" é hoje um conceito bem diferente. E não parece que os que emigraram se tenham esquecido dela. Falta é perceber bem o que é que ela hoje significa.

3) É obviamente verdade que muitos dos que emigraram agora o fizeram porque não tinham outras alternativas reais de sobrevivência e que, como tal, trabalham hoje em coisas que detestam fazer. Isto é verdade, mas apenas parte da verdade: muitos outros estão satisfeitíssimos com o que agora fazem alhures e não têm nem vontade, nem necessidade, de regressar nos tempos mais próximos. Fazem coisas de que gostam mais, ganham mais, viram mundos fora da paróquia, perceberam que estão prontos para muito mais do que pensavam e que se adaptam crescendo. Em suma: muitos tornaram-se melhores. Ponto final, parágrafo - e nesse tal mundo que lhes disseram que é agora "global" (e é).

4) Quanto à parte dos que tiveram que emigrar para fazer coisas que detestam - e que indubitavelmente existem - falta pensar numa coisa simples: quantos milhões de portugueses estão em Portugal a fazerem coisas que simplesmente detestam? Muitos.

5) Nas reminiscências do passado é incluída a ideia das "saudades da Pátria" que ficou para trás. Isto é verdade? Claro, mas é outra falsa generalização. Muitos dos que emigraram não têm hoje desculpa para não apanharem um avião e, passado umas horas, estarem a saciar saudades dessa Pátria. O resto é conversa e faduncho (daquele de pouca qualidade e não do outro). Há quem não regresse frequentemente a casa simplesmente porque não está para isso.

6) Percebo que seja dramático que Portugal tenha investido dezenas de anos para formar a sua geração mais bem preparada e que agora seja incapaz de usufruir dela. É um azar dos Távoras, mas que os que emigraram não podem ser forçados a pagar.

7) O que não faz sentido é olhar para a "nova emigração portuguesa" com os mesmos óculos de há umas dezenas de anos atrás. É, aliás, o erro que cometemos sempre - agarrando-nos a generalizações simplistas que nos impedem de compreender o que verdadeiramente se passa.

8) Falta só um derradeiro ponto. Portugal é bom? Claro. É óptimo.
Mas o mundo também.