António Costa é o mago do que não é normal. Juntando perninhas de rã, conseguiu o que não tinha sido "normal" em 40 anos: "unir" a esquerda para (ele) governar.
Ao contrário do que muitos pensam, vai durar. Não, porventura, por quatro anos. Mas vai durar.
No caldeirão das suas poções, sobra todavia a Costa um remédio que, contrariamente ao anterior, não chamou ainda a atenção de todos.
Falo das eleições presidenciais, onde, outra vez, se prepara para ganhar sem as vencer.
O caminho é este:
Falhado, há muito, o regresso de Guterres, Costa tinha um aparente imbróglio para resolver: Marcelo dá dez a zero a Nóvoa e a Maria de Belém. E Costa sabe-o.
Por razões simples: no plano substantivo (o que importa), Marcelo está a léguas dos restantes. Acresce que, no PS, ninguém se entende quanto a saber qual dos dois candidatos é o mais fraco.
Costa sabe também que a figura presidencial é importante, como a prática já tantas vezes demonstrou (lembre-se a queda do governo de Cavaco em 1987 e o que Soares decidiu; recorde-se a deterioração do governo de Santana e o que Sampaio escolheu; rememore-se o papel do PR no cenário da ascensão de Costa ao actual governo).
Uma das opções para evitar a humilhação de uma derrota quase certa de Nóvoa e Belém era fazer, agora, o que Cavaco fez em 1991 (e que parece que já ninguém recorda): apoiar (sim, apoiar expressamente) o candidato da outra banda política (Marcelo), para também poder reclamar a vitória para si (Cavaco apoiou Soares contra Basílio, mesmo odiando-o, na sua segunda corrida presidencial; passados uns meses, Cavaco teve a sua segunda maioria absoluta).
Mas isto não era novo. E, sobretudo, nas circunstâncias actuais, em que a acrimónia "esquerda-direita" atingiu níveis épicos (coisa que, em 1991, não se passava), era impossível de fazer - até por causa de BE e PCP (que Costa tem que manter serenos).
O que escolheu então António Costa?
Optou pelo modelo "win-win" - em que, mais uma vez, não há derrota possível.
Costa sabe que o PR que melhor casa com o seu estilo ousado e inventivo de fazer política é... Marcelo. E sabe que Marcelo quererá divertir-se também: é, como Costa, um viciado no inesperado, um fascinado pelo abnorme. Acresce que Marcelo odeia Portas e Passos (os quais lhe pagam na mesma moeda), o que convém, (ao menos) para o futuro próximo, a Costa.
Assim, Costa quer que Marcelo ganhe. É o que se adapta melhor aos cenários em que Costa navega bem.
Solução: na primeira volta, não há apoio do PS para ninguém (para a desmobilização ser a máxima possível em Nóvoa e Belém). Pode ser que, assim, o problema se resolva logo - e sem Costa como perdedor "oficial" nas urnas (e como vencedor na obtenção do PR que mais lhe interessava).
E se Marcelo, inesperadamente, não ganhar à primeira volta?
Aí, as expectativas terão sido de tal modo contrariadas (já que a vitória de Marcelo era praticamente certa), que qualquer resultado é bom: se Marcelo ganhar na segunda volta, Costa tem outra vez o PR que lhe interessa (eleito com um discurso que teve que ser muito "à esquerda", o que o amarra por uns tempos); se Nóvoa ou Belém ganhassem na segunda volta, a vitória era também de Costa (que, sem dificuldade, os teria a ambos a seu mando, depois de ter, mais uma vez, "unido a esquerda").
Em suma: longe de serem uma aflição, as presidenciais serão um passeio para Costa.
E em qualquer das hipóteses. Tudo porque, mal ou bem (e não é essa apreciação que agora me interessa), António Costa se prepara para não poder perder. Outra vez.