quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pacheco Pereira

Há mais de uma década que insisto em admirar Pacheco Pereira, insensível aos altos e baixos da sua visibilidade e da sua aceitação conjuntural.
Sem nunca ter trocado palavra com ele, Pacheco conquistou aquele lugar perverso no círculo de amigos imaginários que, cada um de nós, menos inconscientemente do que cremos, acaba por construir.
Como tal, Pacheco não esteve sempre acessível e, às vezes, era eu que o afastava por uns tempos (normalmente, exausto da sua persistência) - mas estava sempre quando era finalmente chamado pela minha vontade outra vez: quando era, enfim, necessário ou simplesmente solicitado, ao que sempre acorria com a sua constância (tão precisa) de inteligência, tenacidade e crença.
Como se faz com os amigos - que são sempre poucos - aprendi a respeitar Pacheco. E regozijava-me de cada vez que o encontrava (num artigo, no flashback ou, depois, na quadratura) com opinião parecida com a minha, o que variava com o calor do momento, dado que Pacheco teimava em não abandonar os seus, defendendo-os, por vezes, para lá do absurdo - mas sempre com a inteligência e a tenacidade que já lhe assaquei.
Assim, entre muito mais...
Vi Pacheco a defender o cavaquismo dos seus mais mordazes críticos, mesmo quando Cavaco se tinha já tornado a caricatura de si próprio e os que o rodeavam não conseguiam já disfarçar a putrefacção de uma década de poder executivo endinheirado.
Vi Pacheco a criticar implacavelmente o período áureo do Guterrismo, quando ainda não estavam à vista os seus vícios e o seu desnorte, e quando era quase suicídio mediático atentar contra a suposta superioridade intelectual da terceira via.
Depois...
Vi Pacheco a zurzir Pedro Santana Lopes como ninguém e a exibir, com o poder que poucos tiveram, a insanidade dos seus 6 meses de Governo.
Vi também Pacheco, sem receios, e sem tergiversações, condenar implacavelmente a liderança de Menezes - a quem nunca deu tréguas, nem fez concessões (pelo menos, ao vivo e a cores...) - enquanto, com a mesma ferocidade e empenho, denunciava Sócrates nos seus "momentos Chávez" e punha a nu as diferenças que existiam entre o país que Sócrates publicitava e aquele que realmente existe.
Sempre - fosse ou não possível concordar com ele ao longo de tantos anos - com a constante de que o que Pacheco dizia transpirava crença: olhava-se para Pacheco e ele, de facto, resplandecia, pela única razão de que o homem - por arte ou genuinidade - simbolizava uma espécie (muito particular e cheia de cambiantes) de discurso livre (e que se algum interesse servia era apenas o seu, o que nunca me repugnou particularmente). O comprometimento era apenas com a sua agenda - e da sua agenda, parecia sempre constar o que lhe parecia justo e são, não obstante as modas e a maioria das restantes opiniões.


Provavelmente vítima de si próprio, Pacheco Pereira é hoje uma sombra do que descrevi.
Está sombrio e rezingão. Opaco. Exuberantemente desinteressante.
Por um único motivo: porque a sua agenda lhe impõe hoje que defenda pouco mais que nada.
Fiel a si próprio, Pacheco fala hoje apenas em honra a si e aos seus ódios (justificados ou não). E, portanto, o país passou a estar completamente ausente das cogitações que subjazem às suas críticas, aos seus remoques e ao seu azedume.
Só percebi agora que, durante todos estes anos, fosse a opinião de Pacheco a que fosse, o que a tornava interessante e válida era o facto de o país, mais ou menos remotamente, ser sempre a razão última das coisas que, mal ou bem, ía dizendo (e, logo, da sua agenda).
Hoje, o país já lá não está. E Pacheco, perdido, tacteia erraticamente à procura de uma qualquer fé que não se resuma a acreditar nele próprio.
Sem brilho, claro.

Até depois.