domingo, 24 de abril de 2016

Há que albardar o burro à vontade do dono


O meu avô materno, de longe (e bem longe) a pessoa mais inteligente e sagaz que conheci até hoje, dizia sempre, divertido, que é preciso "albardar o burro à vontade do dono" (o momento que reservava para o "statement" em que proclamava o instante em que a albarda era "atirada ao ar" era uma espécie de celebração gloriosa).
"Albardar o burro à vontade do dono" é um exercício de humildade fantástico que implica conhecer o outro e conhecermo-nos a nós. Sem concessão nos princípios, mas com a flexibilidade das regras.
De entre as várias lições de vida que Macau me trouxe (e que tive o privilégio de ir tentando aprender porque era delas que vinha à procura), o primeiro ano foi a confirmação acabada de que, de facto, os burros devem ser albardados à sua vontade, coisa que se torna mais fácil quando estão cegos pela imagem que, para seu conforto, foram formando de si - sempre preguiçando.
Depois, alguém faça o favor de explicar a esta gente que, feliz ou infelizmente, o Direito não é matemática - e que se fosse, seria complexo, mas muito mais simples.
Acresce que de verdadeira matemática sabemos (nós, juristas) pouco ou nada, o que piora tudo (a menos que nos lembremos disso a cada passo - outra vez com humildade).

Não sou capaz desta explicação, apesar de ela ser evidente.
Dá-me demasiado trabalho.
E estou, também eu, a ficar velho. E com menos burros para albardar - feliz ou infelizmente.

PS - Ah... e só para esclarecer: nunca tive "dono" (também graças ao meu avô). Mas essa é das peças fundamentais para "albardar o burro".