quinta-feira, 17 de março de 2016

O óbvio: Lula e Sócrates

Sim, já sei que aquilo que é vendido como "óbvio" se destina, as mais das vezes, a enfiar uma patranha em incautos. Mas há coisas que, de facto, se metem pelos olhos dentro.
1) É óbvio que é vergonhoso, ridículo e inaceitável que quaisquer escutas (pela intrusão que corporizam) sejam divulgadas à opinião pública. Mas daqui só deve (e pode) resultar a punição exemplar dos responsáveis pela sua divulgação. Não há outra consequência possível... o demais resvalaria para a bacoquice de imediatamente absolver os escutados só porque divulgaram o que disseram ao telefone;
2) A mais disso, quando as escutas são lançadas a público, isso significa que elas "estão aí" e que é impossível fazer de conta, no comentário político, que elas não existem: são factos e afirmações proferidas pelos visados, que não podem escapar ao juízo de quem as ouve. Não há como enfiar a cabeça na areia e só fica bem a quem apoiou ou apoia os escutados reconhecer isto mesmo;
3) Tornou-se praticamente impossível ter uma opinião livre e desengajada em qualquer parte do mundo: há um exército de próceres que segue e apoia cegamente certas personagens, sem se importar com o óbvio, defendendo o inacreditável, por mais que fira os olhos;
4) Para mim, não há esquerda nem direita no que é óbvio: os casos de Lula e Sócrates metem-se pelos olhos dentro;
5) Com o parágrafo anterior não me refiro à sua responsabilidade jurídico-penal: estou-me aliás nas tintas (até certo ponto) para ela. O que me interessa é a sua responsabilidade POLÍTICA, mesmo a que não é feita da prática de crimes (e que certamente deve transcendê-la);
6) Mas retornemos ao óbvio: há alguma circunstância em que possa defender-se que o que Sócrates já admitiu ter feito (e que possa não constituir crime - por exemplo, os pedidos de dinheiro incessantes a CSS e a compra de livros em quantidades industriais) possa escapar a um juízo meramente político? É óbvio que não. Livre (se for juridicamente inocente dos crimes que lhe imputam) ou preso (se tiver cometido crimes), é evidente que Sócrates se comportou de modo politicamente inaceitável (em qualquer das hipóteses) e que não tem condições (mínimas) para gerir a coisa pública (que é nossa): para chegar a esta conclusão, basta atentar no que o mesmo já teve que admitir como verdadeiro. Ponto final;
7) O episódio "ministerial" de Lula é tão patético que é óbvio que só pode pensar-se que este homem está disposto a tudo para não ser investigado. Factos são factos - e o juízo público e político sobre eles não pode (nem deve) ser evitado. As coisas são como são, mesmo quando há uma débil mental como Dilma (e que provavelmente não é culpada desta maleita de que padece) metida ao barulho;
8) É absolutamente evidente que, para além da responsabilidade criminal, impende sobre os políticos uma coisa diferente: a responsabilidade política pelos seus actos (e que dispensa os requisitos exigíveis para a punição criminal): ninguém obrigou os políticos a serem políticos - escolheram este caminho; lidem, pois, com as consequências da função. É a vida;
9) Mas o que é mais óbvio (e mais impressiona) é o exército de pessoas que se dispõe a tudo para contra-argumentar perante o óbvio. Esqueçam! Isto não é esquerda nem direita: é corrupção. E há corrupção grotesca (e pilha-galinhas também) quer à esquerda, quer à direita: a corrupção não tem cor. Assim como o patético e o grotesco também não.
Isto não é futebol. Não faz sentido defender a todo o transe as pacovinices e os roubos de um líder. Isto é política. Isto somos todos nós.
Chega de sectarismos bacocos. Aceite-se o que é óbvio.
Ficamos todos gratos. E a respirar melhor. Porque é óbvio.