sexta-feira, 1 de julho de 2011

A progressividade do novo imposto "extraordinário"

Tanto quanto sei, ainda ninguém foi informado ao certo sobre a matéria colectável do novo imposto, a sua técnica de liquidação e a sua forma de cobrança.
Isto, sim, é deveras "extraordinário" - parece que não interessa informar, desde logo, o contribuinte do modo como o novo imposto o vai afectar, de maneira a que possa fazer contas relativamente ao seu "orçamento".

A única coisa que se conhece é que o valor do novo imposto "equivalerá" a metade do subsídio de Natal. É um mistério como é que isto vai ser concretizado se, como anunciaram, os rendimentos sobre os quais recairá o imposto abangem os dos trabalhadores independentes, as mais-valias oriundas de investimenos bolsistas, os rendimentos advindos de rendas prediais, etc.

Sigamos, porém, em frente, dando de barato o que está longe de ser de somenos.

Se, como dizem (embora sem explicar), o imposto vier a recair sobre metade do "subsídio de Natal", o melhor, para exemplificar o funcionamento do novo imposto, será assumir como exemplo um trabalhador dependente com direito a 14º mês, sem outros rendimentos que não os oriundos do seu trabalho.

Assim, se, por exemplo, o valor do subsídio de Natal deste contribuinte for 1000 euros, sabe-se apenas que a taxa formal do imposto que recai sobre o subsídio (50%) incidirá no montante do abono que exceda o valor do salário mínimo nacional (485 euros).
Deste modo, no nosso exemplo, o valor do imposto a pagar seria: 1000-485=515; 515x50%=257,5 euros de imposto a pagar.

Em termos de técnica tributária, se for este o modelo adoptado (o que, volto a frisar, não é possível ainda saber) o que teremos é um imposto que opera com progressão por dedução.
Tem todo o interesse apreciar esta característica do novo imposto porque ela permite tirar conclusões acerca do ritmo de progressividade do tributo (i.e., como se comportará o aumento da taxa média do imposto à medida que são mais elevados os rendimentos tributados) e, com isto, em que medida é que ele contribui para a diminuição de desigualdades entre contribuintes.

Começo apenas por chamar a atenção para o facto de a taxa formal do imposto (aceite o exemplo figurado) ser fixa (50%), enquanto que a sua taxa média vai crescendo à medida que aumenta a matéria colectável (o subsídio). Vejamos com exemplos:

(i) Se o valor do subsídio for 1000 euros, tal como já vimos acima, o valor do imposto a pagar (depois de feita a dedução no valor de 485 euros ao rendimento colectável de 1000 e de aplicada a taxa formal de 50% ao rendimento já deduzido) seria de 257,5 euros. Isto significaria que a taxa média do imposto (257,5/1000) seria de 25,75%.

Interessa agora ver - para avaliar a progressividade do imposto - o que sucederá à taxa média caso o rendimento tributável (o valor do subsídio de Natal) seja mais elevado:

(ii) Se o valor do subsídio for 1500 euros, o valor do imposto a pagar será de 507,5 euros (1500-485=1015; 1015x50%=507,5). Isto significa que apesar da taxa formal do imposto ter continuado a ser de 50%, a sua taxa média subiu de 25,75% (exemplo anterior) para 33,8% (507,5/1500=33,8%).

Figuremos um último exemplo para um rendimento muito superior:

(iii) Se o valor do subsídio de Natal for 9000 euros, o valor do imposto a pagar será de 4257,5 euros(9000-485=8515; 8515x50%=4257,5). A taxa média do imposto será aqui de 47,3%.

Conclusões:
O imposto é progressivo, porque a sua taxa média aumenta à medida que cresce a matéria colectável. E este aumento de taxa média ocorre (apesar de a taxa formal do imposto ser fixa - 50%) graças à dedução dos 485 euros inicialmente feita ao valor do subsídio (condição sem a qual o imposto não seria progressivo, pois que apenas o será se a taxa média aumentar com o aumento da matéria colectável).
Sendo progressivo, este imposto é um instrumento de diminuição das desigualdades.

Mas um instrumento peculiar. Observêmo-lo através de um último exemplo:

(iv) Se o valor do subsídio de Natal for excepcionalmente alto, praticamente a taxa média do imposto deixará de crescer, isto é, a sua progressividade esbater-se-á enormemente (em comparação ao exemplo (iii)).
Com efeito, se o valor do subsídio de Natal for, p.ex., de 18.000 euros (o dobro do que era no exemplo anterior), o valor do imposto a pagar será de 8.757 euros (18.000-485=17.515; 17.515x50%=8.757). Isto significa que a taxa média do imposto é agora de (apenas) 48,6% (8.757/18.000), face aos anteriores 47,3%.
Com o que fica demonstrado o essencial:
Apesar de o imposto ser progressivo, ele é cada vez menos progressivo quanto maiores forem os rendimentos tributados (porque o peso da dedução dos 485 euros torna-se cada vez mais insignificante): o imposto é decrescentemente progressivo.
Ou seja: nos rendimentos muito altos, o imposto deixa praticamente de ser progressivo (para se tornar praticamente proporcional).

Moral da história: O imposto é progressivo, ma non troppo.
É uma pena que eu ganhe pouco.