segunda-feira, 2 de novembro de 2015

João Miguel Tavares e as universidades




Em geral, gosto de ouvir e de ler João Miguel Tavares (JMT).
Nem sempre, mas ninguém é perfeito.

JMT tem o que parece ser um ódio visceral ao modo como funcionam as universidades e as faculdades portuguesas. Em particular, as de Economia e de Direito.
Às vezes, isso resulta em coisas boas, como é o caso quando rebenta com escritos de Boaventura Sousa Santos sobre as incontáveis virtudes (da intolerância) do Islamismo.

Mas o modo como JMT insiste em ver o papel das universidades revela, frequentemente, um jeito absolutamente ignorante de olhar para elas.

Esta semana, num artigo que publicou no "Público", JMT atirou-se desabridamente a um Parecer que dois professores de Direito de Coimbra fizeram para sustentar a "idoneidade" de Ricardo Salgado perante o Banco de Portugal. E, depois, insistiu no mesmo no "Governo Sombra", programa da TSF que a TVI transmite.

Não é o caso em si nem o Parecer propriamente dito que agora me interessam, muito menos o seu conteúdo. O que me captou a atenção foi que, quer no artigo de jornal, quer no programa televisivo, JMT defendeu que a "Universidade de Coimbra" deveria apreciar o Parecer em questão.
Presumo que o que JMT quis dizer foi que a Universidade de Coimbra, ou a sua faculdade de Direito, deveriam ter uma qualquer espécie de "controlo" sobre os Pareceres que os seus docentes elaboram.

Não pode ter sido engano, porque JMT escreveu-o e, a seguir, disse-o.

Ora, esta é uma ideia absolutamente peregrina. E que revela um absoluto desprezo por ideias que deveriam ser caras a JMT.

Nas faculdades de Direito portuguesas há ainda uma coisa que sobra: a independência e autonomia dos que lá ensinam, fazem Pareceres e investigam.

Fui docente numa faculdade de Direito portuguesa - justamente a de Coimbra, e durante 12 anos. Colaborei na elaboração de inúmeros Pareceres. Acho, por isso, que tenho uma ideia sobre o modo como as coisas devem funcionar - pelo menos quando se trata de faculdades de Direito (das outras não sei nada, mas suspeito que não possam ser completamente diferentes). 

A ideia de que as "universidades" ou as "faculdades" (não se percebe bem, a este respeito, o que JMT quer dizer) deveriam ter uma palavra a dizer quanto ao conteúdo dos Pareceres elaborados pelos seus docentes é uma ideia aberrante. E estalinista.

Nas faculdades de Direito, os Docentes prestam inúmeras provas ao longo do seu percurso académico (provas de mestrado, provas de doutoramento, provas de agregação...). É obviamente nessas ocasiões que devem ser confrontados com a qualidade do que cientificamente produzem. Ponto final.

No mundo dessas faculdades, não há hoje um tostão furado: falta papel para fotocópias, por exemplo.
O que ainda subsiste para atrair os que lá trabalham é a liberdade responsável de que podem usufruir. É uma ideia básica de autonomia. Para lá de certos limites, não há propriamente "chefes" (no sentido tradicional do termo), nem ingerências castradoras da liberdade e autonomia científicas de quem lá está.
Volto a repetir: é das poucas coisas que sobra. E, para mim, é sagrado.

A conversa sobre qualquer "controlo", feito por uma entidade abstracta qualquer, terminaria sempre da maneira que sabemos: um punhado de poderosos, com assento nos órgãos de gestão universitária, decidiria o que poderia ser escrito pelos docentes. E, em matéria de Pareceres jurídicos, as coisas acabariam assim: um grupelho de zelozos inspectores organicamente legitimados e que não tem Pareceres para fazer (porque ninguém lhos pede) acabariam a avaliar os Pareceres feitos pelos outros.
A mais disso, só haveria um outro fenómeno: por vezes, os que têm Pareceres para fazer eliminariam a concorrência incómoda de outros Pareceristas, ao pronunciarem-se sobre a qualidade dos Pareceres produzidos por estes.

Em suma: a ideia professada por JMT é uma ideia palerma até mais não.

E se isto é assim em teoria, é também na prática.
Testemos o exemplo concreto de que fala JMT para que nos possamos aperceber disso.

No exemplo de que fala JMT, a primeira hipótese seria a de que fosse o actual director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra a fazer o tal "controlo de qualidade" sobre o Parecer em questão.
Isto quereria dizer que, em concreto, caberia hoje a Rui Figueiredo Marcos desempenhar este papel. Sucede que Rui Figueiredo Marcos foi aluno do parecerista em questão, ao qual se reporta JMT.
Era capaz de ser desagradável, digo eu. E pateta, acrescento.

A outra hipótese era a de que o controlo de qualidade em questão fosse feito pelo próprio reitor da Universidade. No caso, caberia então a João Gabriel Silva a empreitada.
Sucede que o reitor é doutorado em Engenharia.
Era capaz de ser aberrante outra vez, digo eu.

E não me venham falar numa "comissão especializada" para levar a cabo a tarefa. O estalinismo já foi enterrado há uns anos valentes. Nem quero pensar nos "comissários" que aqui apareceriam.

Meu caro JMT, quem se diz "liberal" como tu deve, antes de mais, preocupar-se com uma coisa: a preservação das liberdades.
A liberdade científica é uma delas.