Sem ser original (e sem isso pretender), mas com o habitual talento e a lucidez possível (dado tratar-se de tema que lhe acicata a emotividade), Daniel Oliveira analisa no Expresso (http://aeiou.expresso.pt/como-o-bloco-chegou-a-hora-da-verdade=f654567), cuidada e detidamente, o momento do Bloco de Esquerda. Mais precisamente: ao que o Bloco chegou.
Nesta análise, há um misto de introspecção e de psicologia clínica. A introspecção reina quanto à fase de arranque do partido. A psicanálise domina no que respeita ao período do seu recente declínio.
Não me alongarei em comentários acerca do artigo de Daniel Oliveira. Primeiro, porque se trata de um artigo cuja extensão não se compatibiliza com uma crítica que caiba num mero post. Depois, porque é de tal modo profunda a minha antipatia pelo BE que o decoro me impede, no momento actual, de escrever sobre o tema: há princípios que o instinto não consegue quebrar.
Resta, porém, um aspecto que não consigo deixar de fazer notar.
O artigo de Daniel Oliveira é extenso e exaustivo - parece nada esquecer: desde a balcanização ideológica que mina o Bloco, à análise da ideia-feita de que se trata de uma esquerda-caviar; do peregrino apoio a Manuel Alegre nas presidenciais, à moção de censura que, depois de proposta, o próprio BE se encarregou de renegar. E a reunião com a troika, claro, a que o partido decidiu fazer gazeta.
Na imensidão e acutilância da análise, falta, porém, o aspecto essencial. Aquele que Daniel Oliveira jamais poderia tratar. O dado simples e que, no fundo, explica tudo, mas que Daniel não pode (para não se trair) sequer enunciar.
O autor refere timidamente o facto de se ter esgotado o efeito da novidade que, a princípio, catapultou o Bloco. E analisa-o superficialmente, rematando com a afirmação do princípio óbvio de que é habitual a perda de vigor do que já não é novo, nem surpreendente.
Mas é aqui, deliberadamente ou não, que Daniel Oliveira esquece o fundamental - aquilo que verdadeiramente explica que o BE estivesse condenado a entrar em decomposição.
Refiro-me, muito simplesmente, a dois factores, que enuncio por ordem crescente de importância.
O primeiro reside na absoluta dependência do líder: Louçã.
Sem ele, não há partido possível (dada a sua heterogeneidade ideológica). Mas nem Louçã, mesmo que se lhe assinalassem qualidades que o elevassem à condição de divindade, consegue escapar ao desgaste do tempo e do combate.
O segundo aspecto - que é o decisivo - está na forma e no fundo. Na natureza intrínseca da criatura que Daniel Oliveira pretende manter viva (o partido).
Muito embora foque os problemas da burocratização crescente e do sobredimensionamento do aparelho partidário, o militante apaixonado esquece, voluntariamente ou não, a causa do mal que o perturba: a cultura de anti-poder que sempre alimentou o Bloco e o fez crescer.
Foi na irresponsabilidade absoluta do anti-poder que o BE grassou. Foi com o irrealismo do "voto de protesto" que a dimensão do partido se construiu.
Esta verdade simples (mas dolorosa) era o pressuposto de uma morte rápida. Tudo porque a cultura do anti-poder e do protesto não convive jamais com aquilo que ganha um mínimo de expressão institucional.
Em suma: a criatura continha em si, logo à partida, a semente da sua auto-destruição: cresceu para vexar e destruir o "poder" instalado, mas, mal adquiriu a dimensão mínima para se assemelhar a ele, teve forçosamente que (começar a) morrer.
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