quinta-feira, 9 de junho de 2011

O estado de graça

Tem-se ouvido dizer (e parece que Bagão Félix o repetiu ontem) que o Governo que está prestes a entrar em funções não gozará de nenhuma margem. De nenhum "estado de graça". De nenhuma paz.
A asserção parece óbvia, dado um conjunto de factores relativamente evidentes: há muito para fazer num espaço de tempo exíguo, a contestação social que daí advirá será fortíssima (com o movimento sindical à cabeça, recrudescido pelo facto de o Governo ser de "direita" e o pacote de medidas ter o carimbo maldito do FMI), as reformas a empreender serão dolorosíssimas para interesses instalados e a liderança do executivo não está entregue a quem nade em experiência e se mostre imune a inúmeras hesitações.
Tudo isto parece meridianamente claro. Mas pode não passar de puro engano.
Vamos por partes.
Antes de mais, há uma espécie de trégua (auto-)imposta por natureza. O enamoramento inicial dos media com Sócrates não evitou que estes estivessem de garras afiadas perante ele (num quase amor-ódio, com a brutalidade inerente) no estertor da sua governação. Isto significa que o novo Governo não será imediatamente alvo das vozes mais mordazes, que estão inibidas de correr o risco de desdizerem o que até há pouco gritavam aos quatro ventos: Sócrates tinha que sair.
Por outro lado, o próximo Governo gozará de maioria absoluta. E há que não esquecer que este tipo de maioria confere sempre um acréscimo de legitimidade inicial, que não se esvai numa penada - basta recordar (e já quase ninguém se lembra) o "estado de graça", de duração invulgarmente longa, de que beneficiou o Governo maioritário de Sócrates nos dois primeiros anos (2005-2007), apesar de algumas reformas (socialmente) sensíveis (como a da Segurança Social, por exemplo).
Depois, o PS está de rastos. E estará, durante algum tempo, dada a dimensão da derrota eleitoral, que impedirá que as feridas sarem rapidamente. Acresce que com Seguro ou Assis, não haverá mobilização imediata. Nem entusiasmos. E a rua - outra vez ela (porque manifestações vai haver) - não encontrará heróis no partido rosa, ao menos nos tempos mais próximos, porque continuará a identificar aqui as caras responsáveis pelo que conduziu ao estado actual das coisas. Quanto à opinião mediática, idem.
Finalmente, há o dado que me parece ser a chave da questão: as expectativas instaladas. O que a rua espera.
Quanto a isto, estou certo de que ninguém (que esteja de perfeito juízo) antevê prosperidade ou facilidades nos tempos mais próximos. Antes pelo contrário: muito prosaicamente, a malta sabe que, desta vez, é para sofrer das boas. E por uns anitos.
Estou convencido de que são as expectativas (ou a falta delas) que sobretudo alimentam os "estados de graça". Por isso, aposto que será dada uma trégua mediática relativamente longa ao Governo que agora entrará em funções, muito por ser previsível que se instale um espírito generalizado de que "não há volta a dar-lhe".
Ao Governo bastará mostrar que trabalha (as culpas são do pacote da troika e do que a ele conduziu) e evitar escandaleiras (porque disso, desta vez, a rua está mesmo farta, depois dos Freeports, dos cursos tirados ao Domingo, dos amigos na PT, dos projectos de construção na Beira Alta, etc., etc.).
Pode ser que me engane. Em política, tudo muda muito depressa. E há muitas surpresas. Mas, pelo menos, já tenho Passos Coelho a rezar pelo sucesso do meu palpite.


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