quinta-feira, 23 de junho de 2011

J. Ferreira do Amaral sobre o euro

João Ferreira do Amaral explicou ontem na SIC notícias, serenamente e com uma clareza dolorosa, as razões que o fazem acreditar que uma saída de Portugal da zona euro é uma inevitabilidade - trata-se de mera questão de tempo: em 2014 ou, no máximo, em 2015, estaremos confrontados com essa dura realidade, pressupondo que não abdicaremos de pagar aos nossos credores (sob pena de nos vermos afastados dos mercados de financiamento por um prazo insuportavelmente longo).


Ferreira do Amaral vê no défice da nossa "balança de pagamentos" a razão daquela inevitabilidade e não acredita que a eurozona inverta na medida necessária os mecanismos que tem usado para responder ao que a ameaça.
Deste modo, perante a impossibilidade de garantirmos a "discriminação positiva dos bens transaccionáveis" (já não temos tempo para isso), tudo se reduz, na sua opinião, a termos coragem para colocar, desde já, o problema sobre a mesa, encarando-o de frente e sem alarmismos (esta parte agrada-me sobremaneira). Na sua óptica, a grande vantagem deste exercício lúcido analisa-se na possibilidade de a saída do euro ser "apoiada" (ou "com ajuda"), de modo a que não se processe com a brusquidão e os inconvenientes que afectaram, por exemplo, a Argentina no início da década (com o fim da paridade peso-dólar). Isso permitiria, por exemplo, que as aplicações financeiras existentes no país (depósitos bancários incluídos), mesmo com o renascimento do escudo (forçosamente desvalorizado em cerca de 25-30%), vissem garantido o seu valor em euros (aqui a clareza já não foi tanta...).
Após ter encetado uma vasta e interessante análise da conjuntura global actual (o que envolveu referências ao impacto que também terá para a zona euro a mais que provável turbulência que assolará os EUA a partir de Agosto), Ferreira do Amaral não se coibiu, com plena honestidade, de assumir que a sua visão dos problemas assenta em pressupostos que são discutíveis - mas identificou claramente o tipo de pensamento económico a que adere (e que condiciona a sua visão do que aí está) e não o absolutizou.
De entre as várias comparações com interesse, incluída aquela que identifica a nossa actual situação (de recusa em analisar todos os cenários) com o que já fizemos durante a Guerra Colonial (em que esperámos, até ao fim, pelo apoio americano, por muito que ele parecesse impossível), Ferreira do Amaral teve ainda tempo para explicar, com o exemplo da ex-RDA (cuja moeda foi absorvida pelo marco da Alemanha Federal, não obstante as enormes disparidades entre as economias em causa), as razões que o fazem crer que não seja solução viável a actual política da UE consistente em encharcar de subsídios (isto é, apoios que nada resolvem em termos estruturais) os países da periferia da eurozona (o modelo que, grosso modo, está a ser usado nos "resgates").
Em suma: muito e bom material de reflexão, honesta e serenamente exposto. E sem mensagens subliminares de política partidária doméstica.


Fica aqui a prova, se necessário fosse, de que o papel do novo ministro das finanças não deverá nunca resumir-se, sem mais, à implementação do programa da troika.
Para além disso (que não é pouco), há muito mais para antecipar, pensar e decidir.