Domingo, votamos.
E votamos mesmo, desta vez. Porque é estritamente necessário.
O sentido do voto - esclareça-se - já não é, nos dias que correm, positivo, isto é, uma declaração de vontade no sentido de que X seja eleito.
Genericamente, este efeito de escolha (pela positiva) está perdido nas democracias actuais, por muito que isso perturbe. Basta pensar que a afirmação positiva da escolha está hoje sempre inquinada (no processo essencial da sua formação) por dados que a corrompem: sobretudo, a intoxicação mediática a que ninguém escapa quando se ocupa de pensar "é melhor eleger X ou, alternativamente, Y"; muito simplesmente, a manipulação dos conteúdos informativos e o peso tendencioso das opiniões mediatizadas é demasiado para que se lhes possa ficar imune. Numa palavra, a escolha (no sentido positivo e tradicional) fica inescapavelmente corrompida.
O sentido útil que resta ao voto é, pois, o sentido negativo: a negação, pura e simples, de que X ou Y permaneçam instalados no poder - eu voto para que X seja desinstalado da cadeira na qual se tomam decisões para o país, ou para que Y lá permaneça sentado mais um mandato.
Dir-me-ão: também esse tipo de formulação de vontade (o de desinstalar, tout court, alguém do poder) é manipulável e corrompível pela enxurrada mediática.
Eu respondo: é verdade. Porém, quando uso o meu voto, muito simplesmente, para "desinstalar X do poder" é muito mais difícil que a minha vontade tenha sido corrompida - não estou a escolher (positivamente) entre X, Y e Z, comparando diferenças e afirmando vantagens e qualidades entre os diversos candidatos (processo no qual as influências mediáticas ocupam muito maior espaço, devido, por exemplo, ao tempo concedido a cada um dos candidatos); estou apenas reduzido à dimensão binária (de "sim" ou "não") do "voto para desinstalar X" ou "voto para que X não seja desinstalado", centrando a minha decisão, muito mais facilmente, no juízo que faço acerca dos resultados obtidos por X no exercício do poder (ou acerca das consequências que dele resultaram para mim).
Esta forma de olhar para o voto torna-o mais livre. E é a assunção (já concretizada e levada a efeito) de que a democracia não é mais do que o menos imperfeito dos sistemas.
Vistas as coisas de outra maneira, torna-se assim também mais clara uma verdade que vem sendo cada vez mais repetida: "As eleições não se ganham. Perdem-se".
No Domingo, a expressão essencial do voto é só esta: desinstalar Sócrates (e demais apaniguados) do poder, ou, em alternativa, formular o desejo de que Sócrates (e os demais) lá permaneça(m).
Nisto, a decisão é tua - ficando o voto em branco e a abstenção arredadas das opções viáveis (pelas razões óbvias).
2 comentários:
Abc
Nem mais! Resumiste o estado de alma da maioria dos portugueses. E esperemos que realmente vão votar!
Já eu, como sabes, sou mais utópica e ainda creio em causas sobre as quais não me posso pronunciar agora, porque nos encontramos em período de reflexão.
Nota: incrível mas vou ter q comentar como anónima, coisa que detesto, porque o google não está a aceitar.
Sofia Mingocho
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